segunda-feira, agosto 29, 2005

42 - PUREZA E SEDUÇÃO (*)

Com aquela moça ali de perfil
(o riso de sussurros e covinhas,os posicionais
desenhos dos sentidos,ondas e curvas e halos
subindo nos cabelos densamente florestais
e a promessa de outros requintes em outros lugares
as pernas apoiadas em palavras de amor
- dois movimentos da paixão segundo Bach):
com aquela moça ali,pureza e sedução
como posso prestar atenção no que dizemos intelectuais
sobre os aparelhos ideológicos do Estado
e sobre a infinita reprodução da mais-valia?
Sei que são homens lidos e corridos
que talvez saibam mesmo o que dizem
sobre a injustiça social, a lesão dos trabalhadores
e o fim do mundo em guerra.

Sei muito bem .Mas com ela ali assim
apoiada na verde janela dos anos,

como posso acompanhar a linha dos raciocínios
e dar a minha opinião?
Sei que eles sabem onde têm os narizes
E que esperam de mim um juízo de valor...
Mas com aquela moça ali a reciclar os axiomas,
como posso despoetizar-me?
O que mais desejava agora, ora essa,
é voltar à juventude e apertá-la
e apertá-la nos meus braços.

(*) Paráfrase de um poema de T.S.Eliot, segundo uma tradução de Oswaldino Marques.