sábado, agosto 20, 2005

O ALMEJADO INESQUECÍVEL

Qualquer coisa impressionante, pessoa bonita, fato importante, reclama letra e música para sua expressão. Melhor dizendo: o que precisa ser enfatizado exige o recurso do verso declamado, cantado ou pelo menos escrito. É por isso que todo adolescente, feminino e masculino, tem seu caderno de anotações e lembranças dentro da pasta de seu material escolar. Na pausa dos bulicios e entrevistas e reuniões, ele olha para os lado e não tendo ninguém nas imediações, ele passa a cometer suas auto-confidências, em forma de frases poéticas ou de versos às vezes prosáicos, mas insuflados de intenções de traduzir o sentimentalismo que o rói por dentro e que só a poesia da música ou do poema pode exprimir e desafogar.
A Música Sem Tocar.
Requisitada pela precisão do desejo, a música ainda original e inédita, vem de fora para dentro nos arcanos das inconcebidas efusões, e lá bem na medula do fundo começa a esvair sem ganhar corpo e consistência, a reclamar o arquivamento na memória mas não sem antes extravasar-se nos versos da expressão. Aí só o receptor cuidadoso e equilibrado, paciente guardião das excentricidades, só ele saberá manter a absorção e quem sabe domá-la, sistematizá-la numa composição pronta para bater as asas nos céus de outras pessoas, materializá-la em eflúvios ao mesmo tempo concretos e intangíveis.

O Cinéfilo
Às vezes fico a rememorar minha adolescência em Belo Horizonte.... A tentação noturna do cinema me viciava? Apegado de tal modo ao escurinho das telas de projeção que não conseguia mais viver sem os outros mundos e as outras vidas, fazendo de conta que tudo aquilo participava dos círculos e quadrantes cada vez mais familiares? De posse de fantasiosas experiências, eu me abstraia, arrebanhava novas feições e sentimentos e assim quase involuntariamnte me estonteava, inventariava novas heranças? Era assim que aprendia a viver a vida dos outros ou apenas embaralhava o carteado de uma infinita e indevida algaravia? Tantos modos de ser, tantas expressões concomitantes! Tudo tão humano e a fazer de mim o ser múltiplo, onímoda, onisciente, inconsciente, espavorido, fragmentado no redemoinho? Estava, ainda creio, arrebanhando adesões, consonâncias, acréscimos, ampliação de retratos, diversidade de empenhos e funçõess, ficando mais rico de citações, angústias, hilariedades, mas.... Mas o eumesmismo de mais tarde viria cobrar tanta dispersão, tantas adesões desconjuntadas? O que seria de mm se depois, transferido de mim, não conseguisse mais encontrar-me no emaranhado das dispersivas, diversificadas personas? Era tudo uma brincadeira muito séria? Mas não é assim mesmo o apego ao que se ama denodadamente? O que mais queria era entrar na redoma do filme, refestelar na poltrona,ouvir um pouco de música ver a minha vida nas outras pessoas, nos outros lugares.

O Almejado Inesquecível.
Tatear as sardas, beijar o nariz
Folhear o livro rabiscado pelas crianças da mesma infância
O olhar de Janet Leigh fixado na estrada noturna
Que então éramos
As luas potenciais de um segredo
Um caso de amor jamais contado
O meigo beijo na virgem nuca de cabelos revirados
O furúnculo brotando de uma das nádegas de Marilyn Monroe
A viva lembrança de Patricia Neal no bar e restaurante coroa
O sexo passando noite e dia na janela dos anos:
Se não passasse, ah, me mataria.