OS ARRANHA-CÉUS DE HAI-KAIS
1 – Quase! O eterno retorno da ida incessante pelos atalhos de caminhos indeterminados: assim é a vida no mundo, sentida e transmitida por quatro pessoas, quatro olhares, quatro sentimentos, quatro juízos. Primeiro o feminino de Andréia Donadon Leal: a “fonte abandonada” no “tapete de pedras” e nas “rachaduras da terra”, de onde “voam pintassilgos... na branca paz do céu colorido”. As coisas e os seres sob o suave toque de mãos onde entre “folhas de camurças” brotam outras tantas flores celebrando tantos amores. Tudo assim belamente indeterminado e esvoaçante, deixando ao leitor a possibilidade de preencher as entrelinhas de outras suposições e tácitas conformidades. A “paixão natural” entre sanhaços e pérolas de mel e a frenética “dança dos bambus”, tudo assim “porto e solidão”, jardim plenamente habitável. Quase a perfeita felicidade. Do amor nascente, o nascimento da vida: “Os temperos de mãe” e a “menina de cachos negros”.
2 – Enquanto Sol.
Gabriel Bicalho, tendo como diz “a primavera em mim”, esquenta o verão na pele, morneja o outono na mansuetude, suportando o fogo na alma ao mandar “o inverno gelar o inferno”. As amadas “dos pés diminutos” (as gueixas) são luas e luares – assim como o galo que canta para acordar o Deus que sonhava. E do florilégio das “rosas para a musa”, ele escolhe as palavras da “hora mágica” do sarau, dos prazeres da alcova, da sensibilidade e dos instintos – ele procura a “musa marina” e encontra o “perfume do sândalo, na sala, onde se propala teu fogoso escândalo”. E depois (sonhando?), ele pensa “ver alguma sereia na areia, no corpo de espumas da pleiteada musa. Mas a espuma “na areia espuma e some, no mar, o nome de minha sereia” E assim: “Um instante, apenas,/ e foge o pássaro do hoje,/deixando-me as penas”.
3 – Prenúncio de Chuva.
A tônica do pesar poético de J. S. Ferreira aparece logo no começo de sua coletânea de hai-kais: “Ao amanhecer/ nas gaiolas dos vizinhos/ crianças e pássaros”. Depois: “À beira do rio/ chorei lágrimas a fio./ Saudade inundada”. Algumas páginas depois: “Apito dos trens,/ chegadas e despedidas,/ sorrisos e prantos” Adiante: “A mosca se bate/ contra o vidro da janela:/ cego desespero!” E “Qual pedras no rio/ velho jacaré espreita/ patos brincalhões” Mas “No costão das pedras/ a bromélia solitária/ oferece flores.” E a reabilitação otimista, na página 77: “Jardim nas sacadas,/ gerânios pelas janelas:/ poemas no ar” E assim é a Vida e o Mundo, na eufórica e tristonha dicotomia da Criação. O que seria do Verde se só existisse o amarelo? A Alegria não existiria se não existisse a Tristeza, não é mesmo? Nada melhor do que um dia depois do outro, pois.
4 – Brejinho.
As pequenas grandes coisas que “Borbulham as águas/ entre os gravetos do lago.../ Salta um lambari”. Assim o poeta J.B. Donadon-Leal discorre sua poética, quase que numa surdina discreta e eloqüente ao mesmo tempo. O fino dos estágios é a grandeza dos seres. O que tem vida fala – e o poeta ouve e traduz. Leiamos: “cedro rebrotado/ dança aos ventos de agosto:/ ninho de pardal”. “Mata sapecada” (é o que mais vemos hoje em dia, em toda parte):/ “cerrado em fim de inverno/ urubus no céu”. “Pequena lanterna,/ noite em breu e céu nublado:/ miolo de caos”. “Lagoa em silêncio.../ vem do mergulho do anzol/ o grito do peixe”. “Brota um capinzinho/ entre asfalto e meio-fio./ Por que desistir?” “Correm pelas ruas/ alguns moleques descalços,/ calçados de infância”. “Túnel de bambus/ sombreando o caminho/ das noivas de junho”. “Maciez de orquídea:/ brancas pétalas das deusas/ no Templo de Déia”. “Brejo de taboas.../Marrom silêncio esperando/ o pouso da garça”. Poesia sintética, como a da melhor emoção e da mais atenta leitura. Também o remédio a conta-gotas é sempre melhor, não é mesmo?
1 Comments:
Boa noite, amigo Lázaro!
Com muita satisfação recebemos o magnífico comentário sobre nosso livro de hai-kais: "Nas Sendas de Bashô".
Vamos publicá-lo em versão digital e impressa do Jornal Aldrava Cultural.
No mais, enviamos nossos agradecimentos e [ternos] pelas palavras de enaltecimento.
Que as luzes da inspiração e do brilhantismo estejam sempre com você.
Reconhecidamente e afetuosamente,
Andreia Donadon Leal
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