ADULTOS E CRIANÇAS
Personagens principais dos últimos acontecimentos sociais do País: 1 – O menino arrastado pelo cinto de segurança do carro roubado numa rua de calçamento irregular do Rio de Janeiro, até despedaçar-se mortalmente. 2 – A menina recém-nascida jogada no rio de esgotos, num saco plástico, pela mãe desnaturada, em Belo Horizonte. 3 – A mocinha estuprada na cela prisional por mais de vinte tarados durante quase um mês, no estado do Pará (que já terá parado com essa prática monstruosa?). 4 – A menina supliciada anos a fio por uma desalmada “mãe” adotiva, em Goiás, com o conhecimento e o consentimento da empregada doméstica e do marido da malvada. 5 – A menina esganada pelo pai psicopata e a madrasta histérica – e depois jogada pela janela do apartamento, como se fosse um saco de lixo. Em São Paulo, SP. Eu mesmo tive conhecimento direto de três casos abomináveis, em Divinópolis, que podem ser considerados introduções ou prefácios de tragédias idênticas às supracitadas. 1 – Em muitas tardes, voltando da caminhada, sentia do passeio de uma casa, o choro de uma criança sendo espancada pela mãe, que ameaçava seguidamente com as palavras; “Cala essa boca! Não cala não? Então toma!” - eu ouvia como se visse a cena dantesca. Anotei o número da casa e depois consegui o número telefônico do endereço infeliz e liguei, sendo atendido pela mesma voz ameaçadora. Ameacei logo: “Se a senhora continuar espancando a criança como tenho ouvido da rua, a senhora vai se dar mal com a polícia”. Do outro lado a mulher quis saber quem estava falando. Disse-lhe que era apenas um passante na rua, horrorizado com a barbaridade que ela cometia. “O que você tem com isso? A filha é minha e não sua! Vai caçar sua turma, sô!” - e desligou. Mas graças a Deus nunca mais ouvi o som da pancadaria vindo daquela casa. Será que a dona tomou um jeito – ou apenas mudou o horário de espancar? 2 – Noutro dia, estando dentro do carro, numa rua de bairro, vi a mulher espancando barbaramente uma criancinha que mal dava conta de andar no passeio esburacado. Batia, xingava, batia – e só não esganava e jogava do alto de um prédio porque estava numa via pública repleta de automóveis e de pessoas. 3 - A última cena não é fisicamente violenta, mas moralmente é: uma mulher de rua dava de mamar a uma criança de peito, deitada no passeio sujo e esburacado da rua, ao lado de um indivíduo certamente da mesma laia dela. A criança, bem a criança, vista de certa distância, parecia distanciar-se cada vez mais num futuro nublado, para não dizer pavoroso. Tudo que sabemos sobre as crianças, de um modo geral, a não ser as naturais exceções de toda regra (herança genética, pirraça infantil diante de um desagrado ou de um desejo insatisfeito, etc.) é que elas situam-se num tempo de puro jardim que os adultos às vezes deterioram. E que toda razão tinha o poeta alemão Novalis ao dizer que “onde há criança uma idade de ouro ali existe”. Se vemos num auditório, num ajuntamento de pessoas em qualquer lugar, o que mais vemos, com exceção dos adolescentes e das crianças, é que as pessoas estão com os semblantes carregados de preocupações, penalizados, condoídos, insatisfeitos com o que já obtiveram da vida e do mundo comparado com o que esperavam conseguir. A vista geral não é agradável nem bonita. Configura, afinal de contas os semblantes deturpados de pessoas mal contempladas pela vida e pelo mundo – ou apenas mal agradecidas? As idéias uniformes, vindas de uma mesma origem e indo para uma determinada direção, para atingir uma prescrita finalidade: é assim que se configura uma ideologia? Pode ser, mas sou contra. Sabemos muito bem que nenhum ser tem existência exclusiva, que a concorrência é fundamental - e que o equilíbrio das partes que advém de uma naturalidade imposta a ferro e fogo é periclitante e danosa. Quem não respeita, não pode ser respeitado. Quem não deixa viver, não consegue viver. A ideologia é um abuso (negligente) de autoridade (negligente). Não vale um tostão furado. O escritor é um analista dos dados da engrenagem social que visa aperfeiçoar a civilização e não consegue porque os caminhos são muitos e longos e as pernas saudáveis são curtas e escassas. Mesmo assim ele consegue algum resultado? Consegue (quando consegue) mostrar e não resolver, o que aliás não é seu objetivo, não é sua atribuição.
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