segunda-feira, março 10, 2008

A CULTURA E A CULTURA POPULAR

- Kafka, em um de seus contos expansivos (“Investigações de Um Cachorro”), levanta a pergunta: “De onde tira a terra nosso alimento?” Uma página adiante vem a resposta, ao mesmo tempo lúcida e nebulosa, fiel à tônica literária do autor: “os que conservem certa equanimidade com respeito à ciência – e por certo são poucos, já que os círculos que ela traça são cada vez mais amplos – comprovarão com facilidade, embora não façam observações muito minuciosas, que a parte principal do alimento que encontramos sobre a terra vem do alto”. E para arrematar o juízo, ele acrescenta ao raciocínio: “Pormenores, nada mais que pormenores, e todos incertos: rega tudo o que possas para a obtenção do alimento, com o trabalho propriamente dito e os trabalhos acessórios ou de refinamento em forma de aforismos, dança e canto”. 
Era assim que faziam os lavradores em minha região rural, antes do advento da predatória agro-indústria: muniam-se dos ditados populares, das danças e dos cantos no desempenho de suas técnicas de subsistência. 

- Quando cursava Ciências Sociais, andei pesquisando alguns elementos de sociolingüística e notei que o item da apelidação tem valor histórico e conotação carinhosa – e que alguns apelidos como Tiradentes e Aleijadinho absorveram os próprios nomes das pessoas. Getúlio Vargas era conhecido por Gegê, Juscelino por Nonô e JK. E o Neguinho da escola da Samba Beija Flor: quem sabe seu verdadeiro nome? Hildo Honório do Couto, doutor em lingüística pela Universidade de Colônia (Alemanha), publicou em três línguas (português, castelhano e inglês) o ensaio “Os Apelidos de Cláudio”, no qual ressalta que afinal de contas todo brasileiro tem lá, público ou reconditamente, seu apelido – e não adianta espernear nem estrilar. Na vizinha cidade de Cláudio a apelidação é tão rotineira e generalizada que até já mereceu reportagens de sucesso na imprensa nacional de ampla audiência. Na verdade lá é assim, conta o Hildo: você olha a pessoa que chega e se acha que ela tem a cara de alguma coisa, põe logo o apelido. O Tico-Tico, como vai? Bom dia, dona Fiíca! E o Cascudo, levantou com o pé direito hoje? E o Chico do Joãozinho do Dadá como vai indo? É sempre assim em todos os quadrantes da cidade. Aprendi que o exercício de pesquisar apelidos é uma forma de estudar a metalinguagem. Em 1894 ele, o Hildo, relacionou 685, enquanto conversava com um morador, que informava de memória. Pincei alguns da relação: Tampinha (foi craque de futebol e prefeito de lá), Titranca (o grande Tancredo Neves, casado lá), Paquinha, Marruco, Canarinho (pai de Walchir Jésus de Resende Costa, nosso ex-prefeito, saudoso), Dez Pras Duas, Camucho, Catuquinha, Binga, Quilinho, Breviado, Frecata, Tibumba, Tucano, Girafa, Cabelinho, Pardal, etc. 

Também em Aracati é assim: o forasteiro mal acabou de chegar e já vai ganhando apelido. Ninguém conhece ninguém por nome, só pela alcunha. Uma vez um habitante da cidade plantou um coqueiro em frente à casa e imediatamente ficou conhecido como Totonho do Coqueiro. Indignado com tal afronta, mandou cortar o coqueiro. Passaram, então, a chamá-lo de Totonho do Toco. Aí ele mandou arrancar o toco. Passou a ser chamado de Totonho do Buraco. Mais que depressa, ele mandou tampar o buraco, mas depois desistiu de interceptar a apelidação. A verdade é que depois ficou conhecido como o Totonho do Buraco Tampado. (Li esta piada no semanário PASQUIM, em 1980, e reproduzo aqui, de memória).

1 Comments:

Blogger Unknown said...

Que bom que encontrei alguém,aposentado da CEMIG.Há muito tempo venho procurando um pai de uma amiga.Eles moraram aqui na minha cidade que é Araguari.Foi na época da Usina de Emborcação;por volta de 1984.Depois voltaram para BH;de onde eles são.Perdi o contato,não encontro nada.O nome dele é Rebeldino Oliveira(se não me engano antes do Oliveira tem Batista).Quem sabe o Sr.pode localizá-lo.O nome da minha amiga é Valéria Ferreira Oliveira.(ela já se casou e deve ter o sobrenome do esposo,mas não sei).Por favor me ajude!!!!!!!!Ou me indique algo para ajudar-me.Desde já agradeço....

Um abraço.

11:02 AM  

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