segunda-feira, agosto 29, 2005

18 – ODE A UM VASO GREGO (*)

Noiva ou filha do silêncio, recostada
no velho tempo renovado, a narrar
a tecer os contos em braçadas de versos
colhidos em lendas envoltas na folhagem
encarnados nas palavras de deuses nos vales da Arcádia
e de mortais nas fraldas das mineiras montanhas...
Mas quem são aqueles moços? e as moças relutantes?
Por que a invisível perseguição de uns
e o denodado esforço para escapara, de outros?
O que cantam as flautas e os pandeiros?
Por que tudo brilha tanto nesse transe?

As melodias encantam. E mais ainda as outras
que não ouvimos, além da flauta, tocadas
não para o ouvido corpóreo mas para o da alma.
Sob o galho de amora, que não pára de enflorar
um dos poetas não pára de cantara...
Ao lado o amante não consegue beijar
os lábios da amada, tão perto dele...
Que pena, rapaz, mas não te amofines:
ela te espera o tempo todo e ama-la-ás
sempre e sempre ela será bela como agora.

Felizes os ramos que jamais perderão as folhas
plantados serenamente no coração da primavera,
mais afortunado ainda é aquele flautista
a tocar suas inéditas canções de amor,
do amor venturoso que arde sem consumir-se,
que sobrepaira à mornidão cotidiana, a que
amolece o triste coração entediado e deixa
nosso rosto em brasa, a língua ressequida.

E quem são os demais, adiante, rumo ao sacrifício?
Ó sacerdote dos arcanos, a que sombrio altar levas
a pobre novilha a mugir para os altos da fé,
com os flancos sedosos cobertos de atavios?
Qual é o nome desse pacato arraial,
que erguido no alto da campina
(tendo de um lado o raio e do outro o mar),
esvasiou-se dos moradores na santificada manhâ?
ah lugarzinho querido, de ruas silenciosas,
nenhum morador que sabe porque está deserto,
nenhum retornará para dizer porque estás deserto!

É neste vasos colhido nos escombros de ouro
(de perfeito equilíbrio nas formas capitosas),
Que os homens e as mulheres rendilham a imagem
Dos pés calcando a relva de ramos trançados.
É neste vaso que a forma viva dilacera
nosso senso e gosto de eternidade...
Quando o tempo consumir os vivos de hoje,
Tu sobreviverás aos corrosivos tormentos,
Através da arte, nossa amiga, a dizer
que a beleza é verdade e que a verdade é beleza
- é tudo que sabe na terra
- é tudo que precisamos saber.

(*) Paráfrase de um poema de John Keats, tradução de Oswaldino Marques, em “Poemas Famosos da Língua Inglesa”, Editora Civilização Brasileira, RJ, l956.