segunda-feira, agosto 29, 2005

6- CLARICE LISPECTOR, DOIS PONTOS (*).

Clarice Lispector:
a perícia no deslinde dos paradoxos
a facilidde no fluir da assimetria
ela tinha uma vida bonita de se ver
pela janela dos anos interiores
ela escrevia bonito
porque era uma pessoa bonita de se ver:
numa raiz embelezada só podia crescer
e despontar as flores e as frutas
da prodigalidade.
Eis aí, morro abaixo,
alguns minutos pinçados aqui e ali
das horas de suas enigmáticas estrelas
em constante rodízio:
“cada coisa é uma palavra
E quando não se a tem, inventa-se-a.
Que não se lamentem os mortos:
eles sabem o que fazem.
A escuridão salpicada de ruídos molhados e bruscos.
Esse vosso Deus que nos mandou inventar.
Só sou verdadeiro quando estou sozinho.
Ela mal se conhece, nem cresceu de todo,
apenas emergiu da infância.
Quando era pequeno pensava que de um momento para outro
cairia para fora do mundo.
A piedade é minha forma de amar.
Que os mortos me ajudem a suportar o quase insuportável,
já que de nda me valem os vivos.
O pecado me atrai,
o que é proibido me fascina.
O silêncio que crio em mim é a resposta
a meu mistério.
Se não fosse a sempre novidade de escrever
Eu me morreria simbolicamente todos os dias.

(*) – Poemontagem do texto em prosa A Hora da Estrela, de Clarice Lispector, Francisco Alves Editoras,RJ, l993.