domingo, setembro 17, 2006

NOTAS DE UM LEITOR

1 – EVERTON MACHADO. É doutorando em literatura comparada na Universidade de Paris IV – Sorbone, poeta, jornalista e professor de português e cultura do Brasil. Bolsista em 2006 da Biblioteca Nacional de Portugal e da Fundação Calouste Gulbenkian para pesquisar em Lisboa as relações luso-indianas e o romantismo nas ex-colônias. Correspondente da revista Cronópios em Paris. E-mail: evermachado@gmail.com. Além de aprender e ensinar, Everton exerce o jornalismo, escrevendo textos literários, entrevistas e resenhas para publicações brasileiras e francesas, alternadamente. No texto “Os Lados do Conto” ele insere uma entrevista com o contista Amílcar Bettega Barbosa, entrevista que é ao mesmo tempo jornalística e literária, objetiva e subjetiva, informacional e criacional, ou seja, nela o autor é explícito (para chegar ao leitor) e implícito (para levar o leitor ao autor), graças ao manejo da técnica de abordar o complexo com as ferramentas da simplicidade. Em outro texto, “Lembrança de Rachel”, a gente capta logo os proveitosos instantâneos oportunamente pilhados de uma escritora idosa (Rachel de Queiroz) por um jovem autor ainda mourejando na fase de acurada aprendizagem. Ele mineiro conterrâneo de Drummond, de Murilo Rubião, Cyro dos Anjos, Adélia Prado; e ela nordestina, conterrânea de Graciliano, Jorge Amado, Lins do Rego, Jorge de Lima. Salta aos olhos, nesse seu trabalho o tema do cruzamento das faixas etárias e das circunscrições geográficas, a correlação dos diferentes sotaques, humanizados na raiz e na floração dos frutos resultantes. Já em Cantos do Norte, ele apresenta um grupo de poemas dos mais recentes, dos quais selecionamos dois bem exemplares de sua poética enviesada no claro-escuro da rotatividade existencial impingida por nosso tempo: 1 – COMO CHAMA Não há nada de mais no ser feliz agora, o verso que pedi aflora, e como chama morre.  
2 – ARTE NOVA Quase canto sei. Que sou como ninguém cantor. Que sei como ninguém ter fé. Que canto faço como sou: se palavras meço, medo não é. (A fé ensina a cantar como poucos). 2 – YEDA PRATES BERNIS. O livro VIANDANTE é um álbum de recordações ardentemente vivenciadas, um capa-dura luxuoso repleto de folhas e flores macias, evanescentes, fulgurantes na limpidez elegíaca de uma autora módica e silenciosa e ao mesmo tempo certeira e melódica na visão de um vazio a ser preenchido pela lúdica recriação das venturas inestimáveis. Poeta mineira da mesma estirpe de Henriqueta Lisboa, Laís Corrêa de Araújo, Maria Esther Maciel, Lacyr Schettino, Adriana Versiani, ela sabe viver a poesia antes de escrevê-la, domina o ímpeto das inflamações e dos sobrevôos, contendo-se nos instantes e lugares certos e pairando nos incertos, movendo-se naturalmente nas intercessões, colhendo as espigas de primeiríssima qualidade em cada página de sua viagem em busca da recuperação do que pressupõe que vai perder. E que não perde porque está ainda tão impregnada do que se foi, que pode-se dizer que o que se foi, não foi nem talvez irá. Um bem de vida que ficou com ela, graças a seu apego. VIANDANTE é um livro de tanta precisão poética que mesmo as páginas em branco não dão a impressão de estarem em branco, mas sim intumescidas de colorações de tépida serenidade, como convém a controvertida elegia da aceitação e do pesar. Uma das melhores publicações poéticas em Minas, neste ano, sem dúvida. 

3 – LUÍS DA CÃMARA CASCUDO Autor de 144 livros sobre a cultura popular brasileira em todos seus aspectos (antropológicos, etnológicos, sociológicos, históricos, folclóricos etc),eis como ele se apresenta ao leitor: “Padeci todas as enfermidades folclóricas: espinhela caída, cobreiro, dormir com os olhos abertos (como os coelhos), mijo de maitaca, dentada de caranguejeira, frieira por ter pisado em cururu, verrugas por apontar estrelas...”. A mesma vivência de nós, mineiros, nascidos e criados no meio rural de décadas passadas. Eis o que para ele pertence ao folclore (termo um tanto desmoralizado hoje pela indústria de turismo, que prefiro substituir por cultura popular): malandro é filho de escravo na cidade. Fazer ginástica para não trabalhar. Cuscuz é árabe. A cuíca também. O rebolado de nossas donas é produto de importação da África, o gesto de dar banana é europeu, o índio não beijava nem fazia serenata, o beijo veio da Ásia, o cigarro só apareceu depois da Guerra do Paraguai. O sertanejo brasileiro não bebia leite – o índio não dava pra ser vaqueiro. O leite de coco veio da Índia. O cheiro, carícia olfativa nas crianças, é chinês. A jangada indígena não tinha vela nem bolina. O beliscão foi trazido por Dom João VI. Dar adeus não tem idade. 

4 – MEU PEQUENO MAR DE CITAÇÕES. “A felicidade capaz de suscitar nossos anseios está inteira no ar que respiramos. (....) Pois não somos tomados de vez em quando por um sopro no ar que respiramos antes? Não existem nas vozes que escutamos, ecos daquelas que emudeceram?” – (Walter Benjamim). “Pela primeira vez as mulheres têm controle sobre o próprio corpo, sobre a maternidade. Podem escolher e, no limite, prescindir do sexo oposto. ( ) Os movimentos feministas facilitaram seu acesso ao mundo do trabalho – só faltando sua admissão às esferas do poder político – mas isso já começou. ( ) elas são menos agressivas, mais pacíficas do que os homens. Têm mais respeito pela vida – que elas dão. É preciso dar ao mundo uma nova chance.” (Michele Sarde). - Machado de Assis, mestre na criação de personagens femininas. Sobre a Clara, de um de seus contos: Ela “torna a cravar os olhos nas pedras da rua. As pedras é que não podem querer-lhe mal, porque os olhos são lindos, e o que está escondido dentro, como dizia Salomão, não parece menos lindo” E depois o romancista fala do homem “desejoso de tirar aquela mulher diante de si e não querendo senão fixá-la diante de si por toda a eternidade. Parece enigmático, e não há nada mais límpido”. “As fêmeas humanas não têm um ou vários períodos de cio. À diferença dos animais, elas não sinalizam para os machos, por meio de alterações cromáticas ou emissões de odores, seus períodos de ovulação, propícios à fecundação e à gestação – e também não se recusam durante os outros períodos. De todos os mamíferos, pois, o ser humano é o único que pode fazer amor em qualquer estação.” (Claude Lévi-Strausss). - Registro aqui, com muito pesar, o grande descrédito para o nosso tempo, responsável pelo extermínio do Rio Itapecerica, que hoje não passa de um risquinho na paisagem, de barro e excremento e toda espécie de lixo. Imaginem: um rio que até já teve portos de atracagem de barcos e hoje não passa de uma cloaca, um viveiro de ferozes pernilongos. Lázaro Barreto. - A arte de fazer rir, de Torelly, o Barão de Itararé: “Com dinheiro à vista, toda gente é benquista. Os vivos são sempre e cada vez mais governados pelos mais vivos. Os homens nascem iguais, mas no dia seguinte já são diferentes. O casamento é uma tragédia em dois atos: civil e religioso. O tambor faz muito barulho – mas é vazio por dentro. Banco é a empresa especializada em emprestar dinheiro a quem provar que não precisa de dinheiro.

1 Comments:

Blogger Lazaro Barreto said...

Texto remetido por e-mail aos escritores Everton Machado e Yeda Prates Bernis.Lázaro Barreto.

7:42 PM  

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