segunda-feira, julho 02, 2007

ILAÇÕES DE LEITURA

O ser humano é um dos seres vivos do planeta e do universo que, em seu contexto, possui um punhado de poderes: mentalização, expressão, dominação, muitos outros, e que no entanto é também possuído de uma grande restrição quando pretende romper os limites de sua contextualização. Apesar de toda sua racionalidade, ele jamais consegue interpretar a realidade do contexto dos outros seres que estão bem vivos em outras realidades. A doutrina estruturalista é a que atribui ordem às partes, cada uma em seu contexto de valores autônomos. Se cada uma das espécies vivesse assim em suas esferas sem atritar as outras em outras esferas, o equilíbrio significaria a felicidade universal. Mas a demarcação de territórios e a distorção mental que leva ao sentimento de superioridade de uns viventes e de inferioridade de outros, são as principais causas da luta pela sobrevivência, na qual o ser humano tem levado vantagem, uma vantagem desonesta e perigosa, que só pode levar ao fatalismo da desintegração de todo o equilíbrio da natureza planetária. O quinhão intelectual do ser humano leva-o ao entendimento das coisas tangíveis, para amar ou odiar, para plantar e colher, nascer e morrer. O quinhão emocional outorga-lhe o recurso da imaginação, que o distrai e aborrece diante da impossibilidade de atravessar a neblina da solidão. É mais ou menos assim que entendo, preliminarmente, a Viagem de Marilene Valério Diniz pelas Veredas do Discurso e da Vida na construção de uma identidade para o ser humano em estado de solidão mesmo nos percalços de uma convivência nem sempre pacífica entre seus semelhantes e dessemelhantes. O livro dela, recentemente lançado em Divinópolis, é “VEREDAS DO DISCURSO E DA VIDA: Estruturalismo e Subjetividade na Obra de Paul Ricoeur” – impressão na Imprensa Oficial do Estado de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2007. Constato, logo na leitura das primeiras páginas, que o uso da língua, (que tanto facilita nossa vida), traz em si a linguagem, algo que ao mesmo tempo esclarece e ofusca nosso entendimento, mas impedindo-nos, assim, de cairmos no tédio da plenitude que paralisaria a convivência fértil, como assegura Ortega Y Gasset, citado na página 29, na qual ele acrescenta que “um componente da língua relaciona-se com os demais por presenças e ausências”, gerando aí a necessidade dos vôos e mergulhos no campo cognitivo da necessária convivência contextual. “Rever as ciências que conseguiram desenvolver o estruturalismo como um método heurístico de investigação científica, a lingüística, a semântica e a antropologia estrutural – permite-nos depreender alguns pontos importantes”, - a autora diz na página 53, depois de citar Lévi-Strausss, quando ele fala de “um conhecimento do homem que associe diversos métodos e diversas disciplinas e que nos revelará um dia as molas secretas que movem este hóspede, presente sem ser convidado aos nossos debates: o espírito humano”. Sempre que leio os postulados e perorações de Heidegger, considero-o aborrecido e contraditório (por que foi logo abraçar o nazismo em certa fase de sua vida?) e nunca consigo prosseguir na leitura, como se rejeitasse um caminho esburacado e espinhoso. Por que seguiria se vejo outras alternativas mais límpidas e aceitáveis para caminhar por onde quero e preciso? Percebe-se que Marilene depura o arrevesamento (que sinto nele) e elucida a questão do ser e do não ser, como está na página 56: “Que é o ser? Qual o sentido do ser? Como se situa o ser, sendo no interstício entre nascimento e morte? Na fatalidade de nascer sem nenhuma possibilidade de escolha e ter de enfrentar o morrer com a única possibilidade de escolher quando e como, no caso dos suicidas – porém às vezes nem isso é possível, há lugar para uma subjetividade?” A pergunta fica vibrando no ar da leitura. E a resposta da autora é o reenvio do leitor ao redemoinho existencial: “Toda pergunta articula um saber, um não saber e um desejar saber”. O leitor (eu) desacostumado com a linguagem acadêmica (que prevalece como norma na apresentação de teses), repleta de tropos, signos, símbolos, tantas portas abertas para o acurado estudo do estruturalismo e da subjetividade para conseguir uma plausível construção da identidade, tendo à mão os recursos heurísticos da hermenêutica, da semântica, da linguística, da fonética, dos paradigmas e dos sintagmas, todo um instrumental vocabular, para enfim concluir (no meu humilde entendimento) que toda “intriga romanesca” ( e obras de Virginia Woolf, de Thomas Mann e de Marcel Proust são exemplarmente citadas) “é um sistema de relações estruturais entre as ações, os personagens, os signos e os símbolos”. A estrutura, ah, sempre a onipresente estrutura nas ações e nas situações! É assim mesmo. Mas pouco familiarizado com temática tão propalada nos meios culturais especializados e tanto ou quanto obscura no quadro de leitura dos praticantes de espicaçadas literaturas, sinto-me como um resenhista-aprendiz que, temendo decepcionar os leitores da coluna, promete logo sua intenção de continuar lendo aos poucos esta obra de certa forma hermética e, de outra forma e ao mesmo tempo, instigante. Quero dizer que voltarei à leitura do livro, devagar e sempre, pois obviamente todo mundo neste mundo sabe das coisas, só não sabe o que ainda não teve oportunidade de tomar conhecimento. Até breve, pois.