sábado, setembro 22, 2007

DA PROXIMA VEZ, O FOGO

É desoladora a paisagem rural de Minas Gerais, que já foi tão maravilhosa e florescente. Outro dia, numa viagem à Belo Horizonte, pude amargar a visão cenográfica toda destruída pela sanha predatória dos espíritos de porcos, ex-seres humanos. Mais de cem quilômetros com as duas margens da estrada torradas até às raízes da vegetação substituída agora pelo terreno desnudo e enegrecido. E assim foi embora, mais uma vez, a parte mais bonita da paisagem. Infelizmente a área construída, em toda a extensão, é paupérrima, para não dizer deprimente: é uma bagunça generalizada de trastes e bagulhos entremeada ao casario predominantemente favelado. Sabemos que do governo federal não podemos esperar nada de bom. E o do municipal, que está indo no mesmo diapasão deplorável? Resta a providência do governo estadual que pelo que me consta, é atualmente uma exceção à regra negativista que assola o País. O que será que ele poderá fazer, sozinho, para corrigir tantas distorções em toda parte? A balela do toco de cigarro como causa incendiária nas margens rodoviárias, é conversa pra boi dormir, mas continua sendo alegada pela omissão dos responsáveis pela preservação ambiental. E sempre me pergunto: será que alguém acredita nessa hipótese irrisória do toco de cigarro jogado por ocupantes de automóveis do trânsito? Vivi e trabalhei na roça muito tempo e sei de experiência própria como é difícil, senão impossível, conseguir labaredas através de um de um pusilânime toco de cigarro. Lembro-me dos lavradores tentando acender um foguinho para esquentar suas comidas nos caldeirões. Sem o auxílio da chama de um isqueiro ou de uma caixinha e de um pauzinho de fósforo, era dificílimo, para não dizer impossível. Até mesmo um tição de fogo, sem um pouquinho de álcool, era até uma questão de sorte conseguir a labareda para crepitar na massa da macega e dos gravetos – só mesmo assoprando repetidamente e contando com as graças de Deus e dos Santos. Ninguém ia trabalhar na roça sem levar seu isqueiro ou sua caixa de fósforo. E não havia o tal de incêndio. Se da queima das coivaras na preparação do plantio dos cereais saísse uma fagulha para o pasto ou para a capoeira, ah, era um Deus nos acuda: todo mundo parava de fazer o que estava fazendo e ia ajudar a apagar o fogo. Hoje nem isso acontece: quem ver o fogo alastrando, mesmo na beira do rio e do calçadão das caminhadas dos citadinos, nem dá bola, segue em frente na sua criminosa indiferença. Diante do exposto, quem acreditar que um simples toco de cigarro jogado na macega causa os estrepitosos incêndios florestais, ah, tem que acreditar também nos prodígios de papai noel e da mamãe cegonha. E então, o leitor pergunta e eu também pergunto: quem põe o fogo na vegetação vulnerável? Só pode ser um espírito de porco (Deus que me perdoe de citar o pobre do porco em tal circunstância) encarnado em vadios irresponsáveis e/ou nos proprietários dos terrenos que, assim procedendo, não precisam pagar para roçar seus pastos: o fogo faz o trabalho de graça. E sabem como os salafrários justificam? Com a debochada pergunta: “De quem é Mundo?” e com a resposta a seguir: “não é meu nem seu. Então foda-se o Raimundo”. Estamos vivendo nos últimos dias de Pompéia? Cada um para si e o Diabo para todos? Quem pode mais engole o outro? A falta de decoro parlamentar influiu tão negativamente que passa a ser, no país, a falta de decoro popular? Palavras até então sérias como pudor, honra, sobriedade, ética, já estão ganhando os ares do anacronismo vocabular. James Baldwin em seu livro “Da Próxima Vez, o Fogo”( Trad. de Christiano Monteiro Oiticica, edit. Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1967) constata que na própria igreja já “não havia ambiente de amor. A força transfiguradora do Espírito Santo terminava quando terminava o serviço, e a salvação estacava na porta da igreja”. Lemos em Gênesis 1-12: “E a terra produziu verdura, plantas germinadoras de semente e árvores que dão frutos e cada uma das quais tem semente segundo a sua espécie”. E a pergunta de Baldwin, à página 110, é de um pessimismo profético: “Que destino estará reservado a toda essa beleza?” - e lamenta a dor de um povo (o negro na América do Norte) a quem tudo foi roubado, inclusive – o que era mais penoso – a “noção da própria dignidade. Povo algum poderá sobreviver, privado desse sentimento”, ele acrescenta. E termina o livro observando que se “falharmos, ao dever de edificar o nosso país, se não ousarmos enfrentar tudo nessa tentativa desesperada” (lembro-me da luta dos ecologistas de hoje em dia), “sobre nossas cabeças estará pendente o cumprimento daquela profecia da Bíblia, recriada em hino por um escravo: “Deus forneceu a Noé o sinal (da paz) do arco-íris: não mais água – da próxima vez, o fogo!”.