A POÉTICA TEMEROSA
Temos o corpo o espírito a alma (em suas ramificações e comunhões) e algo mais. Algo mais que continua onde estacamos e de onde regressamos. Íamos nadando em águas turvas e claras, nas letras grifadas dos achados e perdidos. Íamos de braçadas de estirões de costas, céleres, impunes nas avalanches e correntezas. Íamos sobre as ondas dos signos e dos versos, aspirando os ares das matas ciliares, inflando os sentidos potenciais assimilados, arriscando parábolas místicas e profanas, certamente arredados das margens e das fontes. Todavia sabendo que lá no fundo cada ser vivente é alimento de outro ser vivente. Por via das dúvidas abrimos os olhos solertes, querendo saber como atravessar os horizontes alheios e íntimos das rosas dos ventos, das águas profundas. Exímios nadadores, sequiosos por conhecer o que o temor embarga, sentimos quando a força do mergulho escasseia. Sentimos o afundamento iminente e a consequente urgência de voltar à tona – e voltamos, portando as flores meramente intermediárias. E as begônias ignotas da célere profundidade? Seriam repelentes face à nossa suscetibilidade? Quem assim nos devolveu à superfície inicial? O temor dos abismos estremecidos da fundura comprimiu nossas vértebras, sufocou nosso fôlego? Por mal dos pecados ficamos assim no limite das imediações, a deplorar o esforço baldado. É o sinal terrível de uma letal fascinação? O vislumbre do céu ou espanto do inferno? Assim volvemos contra nossa vontade à rotineira superfície que nos empurra para cima e para baixo,visando as alegadas profundidades essenciais que tanto nos atraem e nos refutam.
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