sábado, março 10, 2012

RODILHAS DO TEMPO

Andei ausente da cidade por algum tempo e retornei sobrecarregado de afazeres. Só agora estou retornando ao lugar comum das atividades.

E na pilha de livros aguardando leituras, pesquei o “Rodilhas do Tempo”, de Odete Assis Freitas, nascida e vivida em Cercado (hoje Nova Serrana), recomendado preciosamente por Osvaldo Ande de Mello e Paulo Bernardo Vaz, intelectuais e artistas de reconhecido prestígio.

É a história da infância e da juventude da autora dando vida aos assuntos que despertam o atencioso interesse de todo ser humano nascido nas Minas Gerais e vivido nas áreas rurais das então pequenas e bucólicas localidades.

Quem não leria com redobrado prazer as páginas que rememoram com sincera naturalidade o regresso no tempo que passou (e não devia ter passado)? Cito alguns dos temas tratados em concisas, afetuosas, deliciosas páginas: a casa da infância, o galinheiro, o chiqueiro, a horta, a lenha para o fogão, a parreira de uvas, o rêgo d’água, o pomar, os ofícios domésticos de passar as roupas, fazer os doces e as quitandas, o café, a feitura e a serventia do fubá e do sabão preto, a lavação do corpo, das roupas e do objetos de uso familiar, as pessoas amigas e aparentadas, as vendas, a sapataria, o correio, a farmácia, as temporadas dos circos e das touradas, os ciclos das serenatas ao luar, as brincadeiras de teatro e de rua, os bailes caseiros, as novenas noturnas no Mês de Maria, com o foguetório, os leilões, a cantoria, as Coroações de Nossa Senhora, as crenças afetuosas, as fogueiras do lado de fora da igreja e também as de São João e de São Pedro nas roças e fazendas, o mundo encantado da mamãe contadeira de estórias - e a fonte das futuras e melhores saudades...

Quem na vida já experimentou tais vivências sabe como é bom e necessário retornar ao passado de vez em quando, remoçar a personalidade, saudar o que no tempo é sem, mácula ou estigma....

As parcelas aglutinadas da Natureza – o enlace diuturno dos animais com os vegetais e os minerais – estão enfaticamente retratadas em grandiosas miniaturas e aquarelas. Como ela afirma, logo no começo do livro: “testemunhei e protagonizei muitos acontecimentos. Brincava, estudava, trabalhava, sempre interagida com a natureza. A natureza deixava que eu saboreasse toda a sua manifestação”.

Colho aqui alguns respingos das brincadeiras infantis da época e do lugar constantes nas páginas do livro: as brincadeiras de roda com música folclórica, as assombrações, o pique-será, o entretenimento com os luzidios vagalumes (“vagalume Tum-tum: seu pai taqui, sua mãe tali”, a criança com o tição de fogo atraindo o luminoso bichinho voador. O renhido jogo das petecas ao entardecer, o do roda-pião na parte de terra da rua, o jogo das mariquinhas,o pular-corda, os balanços e gangorras, a formação de rodas cantantes, o passar anel, o guisadinho. Tudo na melhor da convivência infantil....

Todos os objetos utilizados nas brincadeiras (bola de pano, petecas, piorras e piãos, vestimentas apropriadas, tudo era feito em casa pelas próprias crianças ou pelos pais e irmãos maiores. Noto, pela leitura das belas páginas, que a modalidade do comportamento infantil e das brincadeiras era, mais ou menos, idêntica em muitos dos quadrantes mineireiros (isso constatei quando, já adulto, fiz uma criteriosa pesquisa sobre a cultura popular de Minas Gerais, que resultou num livro ainda inédito).

As românticas serenatas nas altas noite enluaradas marcavam o espaço da criança diante do da juventude. O som dos violões, cavaquinhos, bandolins e pandeiros entonizando as vozes apaixonadas dos seresteiros, brindava o silêncio da terra e do céu com o repertório dos cantores profissionais Orlando Silva, Francisco Alves e Carlos Galhardo, imitados pelos trovadores locais com a possível perfeição. As estrelas piscavam no céu, a terra orvalhada agradecia a fertilidade do amor universal, ali candidamente representado.

Diante de tantas aquarelas nostálgicas e tocantes, quem da terceira idade como eu, não fica embevecido, possuído de muita ternura e saudade? Quem não fica agradecido ao refinamento rememorativo vivenciado pela autora Odete de Assis Freitas, que tão bem reafirma que o que realmente é bom sobrevive, atravessa os anos e brilha como a lua sempre nova e cheia das paisagens e dos tempos preservados na saudade, ressuscitando, sempre, um bom quinhão da FELICIDADE.