quarta-feira, dezembro 07, 2005

TEATRO, POESIA E CONTO

Em 1983 o já talentoso e bem sucedido teatrólogo Antônio Domingos Franco passou-me uma cópia dos originais de seu livro de poemas “Pássaro na Janela”, cuja leitura, de pronto me surpreendeu pela veemência da expressão literariamente abrandada numa estilização que casava forma e conteúdo no arranjo de dramática comunicabilidade, apanágio do bom teatro e da boa poesia. Surpresa porque eu o conhecia como autor de peças e encenações teatrais de sucesso nos palcos bem equipados das grandes capitais, mormente no eixo Rio-São Paulo onde, em 1977 sua peça “Fora do Jogo”, interpretada pelos atores globais Nilson Condé e Rui Resende, mereceu o aplauso crítico de Yan Michalski, José Arrabal, Alfredo Herdenhoff e Outros colunistas especializados dos grandes jornais metropolitanos. Seu currículo de dramaturgo já ostentava a participação no Teatro Experimental e no Grupo Clássico, de Belo Horizonte e no lendário Teatro de Arena, de São Paulo, onde conviveu e contracenou com celebridades como Gianfrancesco Guarniere, Célia Helena, Antônio Fagundes, Cláudia Melo, Jorge Andrade e Outros. Sua peça “Fora do Jogo”, uma espécie de teatro dentro do teatro (a marginalidade forçada do artista e do intelectual brasileiros) nem precisou ser reescrita para ser, agora, publicada em belo e legível livro pela Editora Express, de Divinópolis. Sua atualidade temática demonstra que infelizmente a nossa realidade (social e política) também não foi reescrita até hoje. Os compartimentos, os escaninhos, são os mesmos de sempre para acolher os bafejados pela mídia e para excluir os insurgentes do viciado sistema de manter fora do jogo quem tem voz própria e dela não abre mão. Que é o caso do Antônio Domingos Franco, que só agora volta a público, não no palco, que é sua arena preferida, mas em três livros que revelam a polivalência de seu talento criador, textos que demoraram na quentura do ineditismo, mantendo, assim, a oportunidade original. Acho que ele fez muito bem ao editar os textos em vez de encená-los. Divinópolis não tem público teatral. Não tem porque os produtores de espetáculos se arrogam de sabichões e o que fazem em suas mambembes e ridículas encenações são facécias como a do pegador de passarinhos que chega dizendo xou. Falta de palcos, atores e autores não é. O que falta é mesmo a autocrítica dos autores dessas realizações mediocremente faroleiras. A peça dele “Dois na Sombra” nem precisa, a rigor, ser teatralizada, para ser um dos melhores trabalhos escritos sobre os anos de chumbo da vigência e da posteridade da ditadura militar de 1964. Nu e cru em termos de metalinguagem, uma chaga de fogo no sofrimento momentoso e na perdurável sufocação das vítimas. Sou de opinião que ele deve continuar escrevendo e publicando outros textos do naipe desse contundente “Dois na Sombra”, usando o que mais sabe, ou seja, a técnica teatral, sem a preocupação de encenar: é assim que o texto será atentamente lido e teatralmente imaginado. Aí ele arrebata dois tentos de uma vez: presenteia a literatura e futuruliza (se assim posso dizer) o teatro (que também, a seu modo, é literatura,ora essa!). O verdadeiro cristal não se quebra, já dizia o nosso querido e saudoso Drummond. Um dia, quando o gosto e o meio social amadurecerem, quem sabe?, o produtor teatral vai descobri-lo e exibi-lo condignamente. Respingos pinçados de “Dois na Sombra”: -“ Parecia um será humano, quando dormia” (página 111). -“ É só apertar que sai merda pra todo lado” ( 115). - “ Se você se acostuma com o fedor, não consegue distinguir os outros cheiros” (116). - “ Nem dormindo a gente tem sossego”. (119). - “Na tortura o cara confessa até que matou Jesus Cristo” (128). - “Estamos na mesma lata de lixo à espera do lixeiro”. (133).