segunda-feira, novembro 20, 2006

ELA MORAVA NUMA CURVA ERMA (*)

Ela morava numa curva erma, depois da igreja no fim da rua. Ninguém lhe desejou-lhe boa tarde, tampouco deu-lhe boa noite. Uma begônia na parreira do alpendre, escondida na profusão das trepadeiras, ali inteira de luz interior, ah ali timidamente a brilhar estava Odília. Estava só no dia múltiplo. Ninguém deu pelo seu fim. Morreu assim de repente, mas oh! que diferença pra mim! Nos anos que ela crescia, a Natureza assim dizia: “Odília tão linda assim, a terra jamais partejou. Uma auréola encarnada, dona de seus limites e impulsos, dona de meus limites e impulsos. Eu seria para ela um espelho, onde ela pudesse ver e sentir em si a terra e o céu, a floresta e o rio, e nosso Deus em cima a dirigir a luz de seu olhar. Assim alegre e feliz na flor da idade, a correr na grama da rua e do quintal, a repassar as nuvens brancas no azul, a alma leve e simples a respirar a paz das alturas ali com ela, mesmo ali com ela no chão das coisas. Fiapos de sol em seus cabelos, quando o vento nela perpassava, sem jamais amedrontá-la, mesmo no escuro da tempestade de letal fogo. Nela a beleza era mais jovem. As estrelas mais lúcidas e quentes estão a lhe dizer as palavras macias, vindas das aragens das fontes pródigas, e os cantos dos rios misturados, e os ares dos líricos murmúrios refrescam-lhe seu rosto impúbere. Mas (aí como dói reconhecer isso) logo os germes saltitantes de alegria dar-lhe-ão a leveza, a graça esguia, a renovada luz nas mãos e na voz. Ah é assim que dou-lhe minha bênção no pensamento da vida mais límpida dotada da verde cintilação das folhas, que até hoje tenho conhecido”. Foi assim que a Natureza falou dela. Mas, quanto a mim, pobre de mim! Tão cedo ela me deixou, tão cedo ela me deixou! Foi embora na calma das lágrimas frias, sem olhar para trás e dar adeus, a lembrar do que foi e do que não foi, e que nunca mais será, ái de mim! Sei que ela não me ouve nem me vê, e que agora movimenta-se alheia, neste mundo que ficou sem ela, neste mundo que é como uma bola, a carimbar minhas expectativas. O que será de mim não sei. Um sono escuro me espreita. Será que será um recado atraente que ela me manda de onde está? 

(*) Paráfrase do Poema “LUCI”, de William Wordswort (1770-1850).