sábado, novembro 18, 2006

MINEIRIDADE

- O mineiro só é solidário no câncer, frase de Nelson Rodrigues, inspirada na leitura de um conto de Otto Lara Rezende, no qual os mineiros que visitam os conterrâneos no Rio só falam e dão notícias de doenças e falecimentos. - É (ou era?) comum na roça a atitude contraditória e ao mesmo tempo sensata do mineiro: quando não podia matar uma pessoa, convidava-a para ser seu compadre. - O mineiro dá um boi para não entrar na briga. Mas, se entrar, dá a boiada para não sair. - Fato curioso é ver em outro Estado o pessoal de lá reconhecer um mineiro, quando outros mineiros presentes não reconhecem. Isso porque vira e mexe o mineiro vem lá com a expressão “uai” , que os outros mineiros, familiarizados com ela, nem percebem. - O mineiro fala pouco e acertado, dá nó em goteira e rasteira no vento. Às vezes não abre a boca nem pra dizer que “esta boca é minha”. - É magoado, vingativo, mau-humorado, como dizem alhures? Pode até possuir esses defeitos que, no entanto, não ofuscam o rol de virtudes que em si carrega. - Geralmente é discreto, modesto, até humilde. Drummond, por exemplo, não gostava de dar entrevistas nem de “aparecer”. Disse uma vez que, nas festas sociais em que raramente comparecia, costumava ficar em seu canto, uma vez que julgava que o simples ato de atravessar a sala seria uma ação exibicionista. - Ele mesmo retratou o mineirinho mais encabulado com um dos “pedidos” no poema ROMARIA: “Deus meu Deus/ me dá coragem pra eu matar/ um que me amola de dia e de noite/ e diz gracinha pra minha mulher”. E o político mineiro? Se não é probo e honesto, mas sim vira-folha, nepotista e corrupto, pode ser político, mas mineiro é que não é. Quais os mais reconhecidamente mineiros? Gabriel Passos, que era meu conterrâneo de Marilândia, Milton Campos,Pedro Aleixo, Gustavo Capanema, Itamar Franco, Tancredo Neves. E os outros, igualmente proeminentes? Bem, os outros não são mineiros honorários no límpido sentido da honorabilidade, mas sim podem ser honorários no sentido monetário de seus fartos honorários. Conta-se de Tancredo, por exemplo, que não quis levar os quadros decorativos de muito valor para Brasília, justificando para a esposa Risoleta que ninguém veria a chegada deles lá, mas muitos veriam depois, quando tiver que sair do Palácio”. - E por falar em Drummond, como falei acima. Não sou o único marilandense que se dignificou com a amizade dele. O Gabriel Passos, marilandense confesso, de papel passado, como posso provar, foi seu colega e amigo em Belo Horizonte nos buliçosos e modernistas anos 20 do século passado. E também um primo de meu pai, o Jacy Navarro Barreto, era casado com Dona Maria de Lourdes Drummond, prima do poeta, de estreita convivência, quando na mesma época citada, viviam em Belo Horizonte: o Drummond na Floresta e o Jacy no Carlos Prates. Este Jacy era acintosamente drummondiano na probidade e no estoicismo: como contador geral da antiga secretaria das finanças do estado, teve que assinar a liberação de uma verba superfaturada, mas escreveu, do próprio punho, abaixo da forçada assinatura, os dizeres: “assino sob protesto”. Atitude corajosa que resultou não na sua demissão do serviço público, uma vez que era concursado, mas sim, na sua transferência para outro órgão, com funções mais modestas. -