QUEM NÃO AMEDRONTOU MARILYN MONROE?
Todos adoravam (ainda adoram!) sua amabilidade, que tanto a fez sofrer e morrer, por causa das próprias virtudes. Vítima do machismo, da mídia e da máfia e dos Irmãos Kennedy (comedores impulsivos de mulheres), ela ainda hoje irradia uma imagem angelical de pureza, candura e sensualidade. Uma sensualidade por assim dizer imanente e não produzida (e constrangida): ela seduzia mesmo quando repugnava o próprio poder de sedução. Foi a inocente útil da concupiscência, essa máquina de fazer dinheiro da indústria do divertimento contemporâneo. Conta seu biógrafo, Anthony Summers, que uma vez, no meio de um ensaio teatral da peça “O Jardim das Cerejeiras”, Michael Tchecov (sobrinho do autor da peça, o russo Anton Tchecov), seu professor de interpretação, parou para lhe perguntar se não estava pensando em sexo enquanto representava seu papel, no dia anterior. Ela respondeu que não. E ele replicou: “agora compreendo qual é o seu problema com o estúdio cinematográfico, minha querida. Você é uma jovem mulher que emite vibrações sensuais, não importa o que esteja fazendo ou sentindo. E seus chefes no estúdio estão interessados só nas vibrações sexuais e não no seu talento como atriz. Como estimuladora da sexualidade, você é mais valiosa pra eles”. E Marilyn (é ainda Summers que conta) revelou depois a um entrevistador que sua resposta a Tchecov foi: “ Quero ser uma artista, não uma aberração erótica. Não desejo ser vendida ao público como um afrodisíaco de celulóide. Isso pode ter sido necessário nos meus primeiros anos. Mas agora é diferente”. Mas os poderosos da época não quiseram aceitá-la despojada do aparato estimulativo. E assim precipitaram o fim dela. Tive o prazer, o encantamento, de ver seus belos e magníficos filmes: “O Segredo das Jóias”, “No Mundo da Fantasia”, “Nunca Fui Santa”, “Os Homens Preferem as Louras”, “Como Agarrar Um Milionário”, “A Malvada”, “Torrentes de Paixão”, “O Rio das Almas Perdidas” “Quanto Mais Quente Melhor”, “Adorável Pecadora”, “O Pecado Mora ao Lado”, “O Príncipe e a Corista”, “Os Desajustados”. Mas gostaria muito de ver os outros, certamente maravilhosos: “Só a Mulher Peca”, “Mentira Salvadora”, “O Inventor da Mocidade”, “Almas Desesperadas”. Penso que mesmo inadvertidamente ela interpretou o papel de Isolda (*) no filme “No Mundo da Fantasia” (There’s No Business Like Show Business), dirigido por Walter Lang e musicado por Irving Berlin. Assim ela canta, referindo-se aos homens em geral: Você é igual um bebê: quer porque quer, mas quando obtém o que quer, fica logo descontente.... Depois de conseguir o que quer, já não quer mais.... Se eu lhe der a lua, logo perderá o interesse por ela. Logo que obtém o que quer, fica a desejar outra coisa.... Quando tem o que quer, não quer mais o que tem. Você é volúvel por natureza. Há um desejo em seus olhos que precisa ser satisfeito. Mesmo que eu me sente em seu colo, logo-logo se cansa de mim, porque após ter o que quer, você não quer mais o que tem. Eu conheço você!. E seu galã no filme, Dan Dailey, responde, também cantando: O homem persegue a mulher, até ela o fisgar.... Ele corre atrás dela, até ser apanhado por ela. Ele busca a mulher, até ela o encontrar. E tudo acaba do modo como ela quer. Incerto, ele vai atrás dela, até ela o alcançar.
(*) Denis de Rougemont interpreta o amor no mito de Tristão e Isolda (amantes do imaginário medieval europeu), no livro “O Amor e o Ocidente” (Editora Morais, Portugal),como “uma fuga sem fim da posse”: ela (ou ele) é a pessoa-de-quem-estamos separados: “perdemo-la ao possuí-la”.
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