quarta-feira, março 14, 2007

A VIDA BREVE, A MORTE APRESSADA

De Alguns Poetas Clássicos Brasileiros. 

Sabemos que o romantismo é a utopia que encontra seu entrave no realismo e fica entre dois itinerários antagônicos: o retorno da infância e o desejo da morte. Para os românticos a eternidade está sempre muito perto, os círios são evocados em vez das estrelas. Castro Alves chega a falar no “sono sob a laje fria” e também no pasto de larvas errantes nos fundos sepulcros. Assim o período clássico da poesia brasileira ficou marcado pela contradição do vislumbre do sublime e o presságio da fatalidade – e muitas vezes os poetas falavam diretamente à Indesejada das Gentes aos brados e exclamações, ojerizas e reclamações. No bojo da história de nossa literatura, atravessando fases, estilos e escolas do barroco de Gregório de Mattos ao pré-modernismo de Augusto dos Anjos, passando nas interseções do arcadismo, do parnasianismo e do simbolismo, deixando em seus registros gráficos o florilégio das vivências e evocações, dos testemunhos e instantâneos que se eternizam constantemente no céu das aspirações e dos encantamentos repassados de sobressaltos e fixações, os nossos poetas, em perpétuo transe, confinavam-se à avareza da expectativa da vida minguada daqueles tempos românticos. Gonçalves Dias (1823-1864) viveu apenas 41 anos de penas e desilusões (em 1844, retornando de Portugal, após bacharelar-se, conheceu Anna Amélia Ferreira do Valle, por quem se apaixonou, a quem em 1851 pediu a mão, prontamente recusada pelos pais dela). Alvarenga Peixoto (1744-1792), viveu um pouco mais: 48 anos. Outros não lograram mais tempo: Álvares de Azevedo (1831-1852): 21 anos. Junqueira Freire (1832-1855): 23. Casemiro de Abreu (1839-1860): 21 anos ( o Mário de Oliveira, poeta e amigo, do Rio de Janeiro, está escrevendo sua biografia e já conta com mais de mil páginas digitadas). Castro Alves (1847-1871): 24 anos,dos quais legou-nos alentada e propícia obra poética. Outros viveram um pouco mais, mesmo assim menos que a expectativa de vida dos anos que hoje correm, um tanto apocalípticos, outro tanto surrealistas. Fagundes Varela (1841-1875): 34 anos martirizados pela marginalidade social. Cruz e Souza (1861-1898): 36 anos crucificado pelo preconceito racial. Alphonsus Guimarães (1870-1921): 51 anos (o mais longevo de todos que citamos, nascido em Mariana e vivido em Conceição do Mato Dentro, bafejado pelo enluarado silêncio dos anjos da mais santa mineiridade). Pedro Kilkerry (1885-1917), também tuberculoso – e rigorosamente inédito. Augusto dos Anjos (1884-1914), morto aos 30 anos, de pneumonia dupla, na cidade mineira de Leopoldina, Zona da Mata. Mas se de tudo fica um pouco, como afirma o nosso bem vivido Carlos Drummond de Andrade, de alguns ficaram polpudas, generosas doações estéticas. Gregório de Mattos amava tanto a vida, a ponto de versejar”se a beleza hei de ver para matar-me, antes,olhos, cegueis, do que eu perder-me”. Emuitas vezes ele culpa a si mesmo pelos dissabores: “Carregando de mim mesmo ando no mundo, e o grande peso embarga-me as passadas, que como ando por vias desusadas, faço o peso crescer, e vou-me ao fundo”.... E já em meados do século 18,outro poeta, Basílio da Gama, se penalizava: “Fiquei sentindo a dor que n’alma tinha. Eu cada vez mais firme, ela mais bela; Não se lembra mais ela de que foi minha, Eu ainda me lembro que sou dela”. E a musicalidade dos poemas de Gonçalves Dias e Casemiro de Abreu? Seus poemas nem precisam de partituras e arranjos: cantam no ar, como os passarinhos. E as obras primas de Álvares de Azevedo (“pálida à luz da lâmpada sombria”), de Casemiro de Abreu (“minha alma é triste como a rola”). E assim por diante. Cada poema abre uma paisagem cheia de vida, abre e entra, cintila e divaga. No sonho e na realidade da vida. E a morte espreitando.