A MATA CILIAR
Como pode o rio nosso de cada dia, viver sem a mata marginal? Os nossos olhos prescindem dos cílios? O pássaro sem o galho para aninhar, procriar, cantar? Como pode a vida sem a água viver? Ela desce, os peixes querem subir. O sono sobe, os olhos querem dormir. O coração de uma pessoa quer ouvir, as cachoeiras de outro coração, de outro rio? Ela é quase todo o nosso corpo, quase toda a nossa redondinha terra. Como poderia enxugar a si mesma? Ou subtrair do azul o verde mais antigo? As gotas de clorofila de nosso olhar. As virgens fontes da alma. As verdes fontes da alma. Dois terços do mundo, ela é. Dois terços de nossa pessoa, ela é. A refletir os rostos dos amantes, ela canta e transborda. A água nossa de cada dia, sempre nua onde estiver. A empregar seu vigor e dar sua luz, a dizer baixinho que os canais de fuga, os vertedores, as comportas, são dons e apetrechos das usinas do cérebro e do coração. Entrementes, de longe ouvimos os insidiosos passos de urubu malandro do facinoroso lenhador. Sem fazer o sinal da santa cruz (penitenciando-se), ele esmerilha as ferramentas ferozes. Sái de baixo, sombrinha, que te esfolo! Assim a água nossa de cada dia pára de cantar. Mais suja do que nua, ela agora não canta mais. Nem mais espelha a mata ciliar que tomba, que agora tomba, que tomba entre tantas outras mutilações brasileiras. Ela chora em vez de cantar? Nós choramos em vez de ouvir?
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