MAIS LEITURAS!
Teoricamente toda pessoa ao nascer já é possuidora de parte da universal herança da terra e do ar e de seus inumeráveis apêndices para o sim e para o não: a vida e a morte, a fome e o alimento, o amor, o amor, o amor. E o amor de tudo pode estar bem ao alcance das mãos: os livros e, neles, a literatura. A literatura, alguém já disse, é o local de encontro de duas almas. Naturalmente quis dizer de todas as almas, de duas em duas, aqui, ali, acolá, abrangendo toda a extensão planetária. Quem sabe ler sabe como preencher os vazios, completar as carências, ocupar o tempo abrindo diante de si outros tempos, outros lugares, outras pessoas. Desde a infância que leio, leio e leio: até parece que nasci só para ler. Nem posso calcular a quantidade de livros que já li, nem dos que já reli uma ou mais vezes. A leitura é assim mesmo: a gente vai passando os olhos, parando aqui e ali, para fixar um lugar, um acontecimento e, não raro, marcamos a página para rever depois. Na minha biblioteca conservo mais de mil livros, todos lidos, muitos relidos e com páginas marcadas em trechos que possam reenviar-me aos momentos de esclarecimentos, inquietação e deslumbramento – referenciais de necessárias releituras e reviviscências. Agora, tentando compartilhar tais impressões de leituras, lanço aqui na coluna do jornal e do blog algumas dicas ou endereços de congraçamentos com os leitores. Começo com o livro “Ariel Ou a Vida de Shelley”, de André Maurois, tradução de Manuel Bandeira, Editora Record, Rio de Janeiro, Rj, sem data. Na página 76: “O homem não se parece com nenhum carnívoro: não tem garras para reter uma presa; os seus dentes foram feitos para comer legumes e frutas. Adoece quando toca na alimentação cárnea que é um veneno para ele. Esse o sentido da história de Prometeu, que é evidentemente um mito vegetariano. Prometeu, isto é, o gênero humano, inventa o fogo e a cozinha; imediatamente um abutre entra a roer-lhe o fígado. Esse abutre é a hepatite, claro.” Shelley, expoente do Iluminismo do séc. XIX na Inglaterra, falecido aos 29 anos de idade, deixou uma bela obra para a eternidade em versos líricos e participativos, nos quais transparecem sua procura de “um sistema de idéias capaz de reconciliar sua fé na bondade humana com a evidente brutalidade do mundo”. Casado com Mary Shelley (1797-1851) (autora (criadora) do controvertido romance de prematura ficção científica, “Frankenstein – o Prometeu Moderno”), ela o ensina que “o maior encanto da cultura literária é que ela humaniza o amor”” (pág. 107). Amigo íntimo do desabusado poeta Byron, a quem pretendia salvar do desregramento comportamental, ele o contradiz no conceito da glória fugaz em comparação com o verdadeiro reconhecimento dos valores intrínsecos de uma personalidade, perguntando: “O que seria da raça humana se Homero, se Shakespeare não tivessem escrito? Você, Byron, não deveria fazer nada mais senão exprimir seus próprios pensamentos, dirigir-se à simpatia das criaturas que podem pensar como você. A glória vai no rastro daqueles a quem ela é indigna de guiar” (pág. 125). Ao embalo das referidas compilações, prossigo nas pinçações leituristas, agora no livro “Gregos e Baianos”, de José Paulo Paes (Editora Brasiliense, São Paulo, SP, 1985): “Foi contra os excessos da tirania da razão – responsável no campo das artes por uma fria elegância formal onde não havia espaço para a expressão dos desejos, anseios ou temores mais obscuros da alma humana – que se voltou a literatura fantástica. A empresa a que se propunha era contestar a hegemonia do racional, fazendo surgir, no seio do próprio cotidiano por ele vigiado e codificado,o inexplicável, o sobrenatural – o irracional, em suma. freqüentes vezes a irracionalidade é posta a serviço da ordem social vigente, à qual ela cuida de justificar e legitimar, ao mesmo tempo em que estabelece um silêncio punitivo sobre o que considera irracional. Daí a justeza da observação de Irene Bessiére, de que a narrativa fantástica “denuncia, pela recusa do verossímil, todas as máscaras ideológicas” (pág. 190).
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