sexta-feira, agosto 03, 2007

DIÁLOGOS DA CIVILIZAÇÃO

Diante da absurda e arbitrária tendência da política brasileira de usurpar o componente poético das relações sociais e das vivências individuais (o que infelizmente passa a definir nossa política como a anti-poesia por excelência, sobrepujando a nossa possível poesia de cada dia pela violência de cada hora dos ativistas do arrivismo mais exacerbado que já se viu na História do Brasil), sou impelido a rever os dados de uma antiga pesquisas do paralelismo histórico dos comportamentos humanos. A intenção absorveu-me na década de 60, quando estudei a coleção de livros da História da Civilização (12 volumes), de Will Durant, tradução de Monteiro Lobato e de Gulnara Moraes Lobato (edição da Cia. Editora Nacional, SP, 1950). Fui lendo, constatando e anotando a constância comportamental dos seres humanos ao longo da longa História, depois de certificar-me que duas linhas de ação humana pontificavam: a da Piedade (que se associa à Poesia) e a da Violência (umbelicalmente associada à Política). Preenchi cerca de oito cadernos de 160 páginas cada), transcrevendo idéias e acontecimentos nos trechos dos tópicos referentes às constantes comportamentais das pessoas em seus desmembramentos e gradações, confrontando as incidências sem antagonizá-las em termos meramente maniqueistas. As anotações abrangendo os dados comportamentais das culturas egípcias, gregas, babilônicas, judaicas, romanas, medievais e pré-modernas obedeceram, nos cadernos, a mesma seqüência da fluência temporal. Transcrevo a seguir algumas confrontações exemplares, colhidas aqui e ali nas mais de mil páginas dos cadernos. PIEDADE (Poesia): “Provavelmente foi essa cultura egeana (talvez no século nono AC) - tão antiga para ele como ele o é para nós – que Homero relembra quando fala na Idade de Ouro, na qual os homens haviam sido mais civilizados e a vida mais requintada, do que nos tempos de desordem em que ele vivia” (volume 1, 2ª. parte, pág.7). VIOLÊNCIA (Política): “Polignoto (472 AC) pintou o saque de Tróia – não o sangrento massacre da noite da vitória, mas o trágico silêncio da manhã seguinte, com os vencedores aplacados pela ruína que os cercava e pelos vencidos imersos na calma da morte”(ob.cit.idem idem, pág. 407). PIEDADE (Poesia): Sólon (556 AC), tendo dito aos atenienses que “cada um de vós, individualmente, deixa após si rastro de raposa, mas coletivamente não sois maior do que gansos”, pendurou armas e escudos do lado de fora de sua porta, como sinal de abandono da política e dedicou o resto da vida à poesia” (ob.cit.idem idem, pág. 156). VIOLÊNCIA (Política): “A planície era moderadamente fértil e seu solo revelava à leste jazidas de metais preciosos; mas não se pode apenas atribuir a isso a riqueza de Tróia (1194 AC) e o tenaz ataque dos gregos. A cidade achava-se admiravelmente situada para impor o pagamento de tributos a todo navio que atravessasse o Helesponto, ao mesmo tempo que ficava convenientemente afastada do mar para evitar ataques desse lado. Talvez foram essas circunstâncias, e não a beleza de Helena, que promoveram o ataque das mil naus contra Iliun (ob.cit.vol.1, 2ª.parte, pág. 46). PIEDADE (Poesia): Jocosamente “Temístocles considera o seu filho como o verdadeiro Governador de Atenas, pois ele, Temístocles, o homem mais influente da cidade, obedecia à esposa, que por sua vez era governada por aquele filho” (ob.cit. vol.1, 2ª. parte, pág. 371). VIOLÊNCIA (Política): Dando um pulo no tempo e chegando ao Brasil de nossos dias, sentimos que são raros os políticos (vereadores, prefeitos, deputados, senadores, governadores, presidente da república e também alguns titãs carunchados dos poderes judiciários e empresariais e também a corja dos traficantes e os asseclas do crime-organizado e os inocentes úteis cooptados pela cruel sistemática da corrupção, incluindo ai , infelizmente, os militantes petistas) que não sejam em suas ações extremamente violentos. Os piedosos são poucos em relação aos violentos e seu poder de influência popular é minguado. PIEDADE (Poesia): “Eu preparo uma canção em que minha mãe se reconheça, todas as mães se reconheçam, e que fale como dois olhos. ........................................... Minha vida, nossas vidas formam um só diamante. Aprendi novas palavras e tornei outras mais belas”. 

(Fragmento do poema “Canção Amiga”, de Carlos Drummond de Andrade, em Obra Completa (Cia. Aguilar Editora, 1964, RJ, pág.221).