domingo, agosto 19, 2007

NOVA AUTORA DIVINOPOLITANA

A violência de situação geralmente precede, anuncia e ocasiona à violência de ação, mas não necessariamente. Muitas vezes as pessoas convivem normalmente com a primeira, malgrado o cristalizado dissabor, sem jamais derrapar do drama para a tragédia. É uma situação até aceitável socialmente, como sendo uma espécie de constante nas relações entre familiares, entre vizinhos e colegas de trabalho. É o caso de uma facécia muito comum na cultura popular, segundo a qual em certos segmentos sociais (na roça, principalmente) a pessoa que não consegue livrar-se de outra por quem antipatiza, acaba convidando-a para ser seu compadre. As idiossincrasias, negligências, Implicâncias, rivalidades, arrufos, são ocorrências triviais no convívio familiar e social de toda parte. Os irmãos se atritam desde a infância, os casais idem desde o período final da chamada lua de mel, os vizinhos, os colegas de trabalho implicam-se e perdoam-se com as vistas grossas, cada um desejando intimamente que o desafeto vá para o inferno o mais depressa possível. O que nunca acontece, felizmente. No conto “Ultraje”, páginas 25 a 37 do livro ‘ESSE TREM LOUCO DA VIDA” (auspiciosa estréia de Sulamita Coelho Amaral na literatura, que já hospeda, festivamente, vários membros da família, sob a égide do patriarca Joaquim Coelho Filho, autor de requintados poemas), essa incompatibilidade de gênios das pessoas fica bem patenteada no decorrer da narrativa. “A casa é aquela da rua atrás da praça”, assim a autora prenuncia o desenrolar da narrativa volátil, de meios tons, indireta, ou seja, sem enfatizar o objetivo de ir por determinados meios até chegar a um determinado fim. Segue cautelosamente por lugares que parece desconhecer e que só aos poucos vai esclarecendo. A narrativa chega a ser até mesmo descritiva, mostrando em detalhes, sem julgar, o comportamento dos membros da família que se associa aos feitios e movimentos dos objetos e das coisas e dos outros seres vivos que emolduram os vultos e perfis da pessoas propositalmente sombreadas no cenário predisposto em seu angustioso torvelinho de meia-luz ao crucial conflito do desenlace final. Desenlace promovido pela invasão da violência de ação onde capengava a costumeira e normal violência de situação, o pequeno inferno do lar, como diria Paulo Francis. A ação, representada pelos promotores do crime (organizado ou simplesmente estúpido), que chegam ameaçando, esbofeteando, estuprando e matando. Ocorrência tão comum num país que chegou ao ponto de banalizar até mesmo a tragédia mais sangrenta possível. “Olha aí, Dona”, diz o chefe dos invasores. “O tempo correu e o Coisa Ruim continua solto.... A cobiça é a corda da forca desta família.... Vamos acabar com este lero-lero.” E chegando neste ponto já era a morte que falava. Mas a autora não se detém no círculo da crueldade mental e braçal. Vai atenuando o ódio de alguns com o amor de outros, e assim consegue, entremeando as narrativas curtas com as longas, as reminiscências com as perspectivas. Assim, habilidosamente e sem alarde, ela vai escalando o percurso da recriação do que passou e do que vai passando, com propositais intervalos poéticos, como no final do conto que dá nome ao livro (na página 75), citando a carta do solidário Jovino à quem ele chama de Dona dos Olhos Negros: “Dona dos Olhos Tristes, tudo a gente esquece, mas nunca o entardecer na roça; assim não tem jeito de me esquecer de você. (....) Em tempo: pedi a um bando de sabiás que lhe leve uma mensagem. Quando eles pousarem, repare no coro”. Assinado:Jovino.  

ADENDO: O veto do governador Aécio Neves ao arbitrário projeto do Foro Privilegiado funcionou como uma aprovação indireta, uma vez que seus correligionários discordaram dele, aprovando-o assim impune e tacitamente, algo que normalmente não se vê. Se o poder judiciário não rejeitá-lo por inconstitucionalidade, fica então oficialmente criado o instituto da impunidade, em Minas, o que naturalmente vai expandir pelo país, estabelecendo, assim, não apenas o instituto, mas sim o Ministério da Impunidade, que será, sem dúvida, o maior de todos os inúmeros (tantos que se atropelam uns aos outros em desacertos, mordomias, fraudes e outros bichos medonhos. Os brasileiros honrados e honestos que saiam debaixo). Haja Deus!