CAMINHADA FÍSICA E MENTAL
Os músculos abdominais ligam-se ao peito, às oito costelas inferiores, ao ilíaco e pélvis, e assim sustentam e protegem o fígado, a vesícula biliar, o estômago, os intestinos, o pâncrea, o baço, a bexiga, os rins, as glândulas supra-renais e o sexo. As funções fisiológicas desses órgãos são conhecidas: digestão; produção e estocagem de bílis; formação do suco pancreático e insulina; metabolismo de lipídios, carboidratos e proteínas; acumulação de aminoácidos, ferro e vitaminas; manutenção do equilíbrio do ácido e da água: purificação do sangue; produção de proteínas, de plasmas e anti-corpos; produção e circulação na corrente sanguínea dos hormônios das glândulas endócrinas. Nas pessoas barrigudas, essa musculatura é frágil, o que as predispõe à comilança e à inatividade. O fortalecimento dos músculos abdominais, através do exercício físico, resulta numa maior pressão interna na cavidade abdominal-pélvica, corrigindo a obesidade e melhorando a saúde. Às vezes ele (que era eu mesmo) dizia cobras e lagartos do desmando do serviço público; às vezes apenas pensava se xingaria o carroceiro ou se entoava hinos ao burro de carga. Sempre nauseado dos últimos acontecimentos (a pilha interminável de crimes impunes e de escândalos capitalizados pela mídia), ele adivinhava o raciocínio pragmático do político atuante: por que não posso roubar se até Deus tirou uma costela do homem para fazer a mulher? Enquanto esticava as pernas e braços no Calçadão, ele (eu?) dava trela aos pensamentos. As atividades humanas recicladas após a introdução do automatismo tecnológico vieram enxamear de sintomas mórbidos a psique do trabalhador. O stress causado pela repetição dos movimentos automáticos, agravado pela tensão provocada pelo rígido controle de desempenho, impede o pobre funcionário de se concentrar mentalmente e de verbalizar suas idéias e emoções. Qualquer pessoa que não consegue criar elos com o processo criativo e usa apenas o cérebro, acaba desestruturando o equilíbrio de sua vida. O digitador de terminais de computação, por exemplo, não pode nem pensar no que está fazendo (se pensar erra mais vezes), e quanto mais alienado estiver, melhor será seu desempenho para a empregadora, que não quer nem saber se ele naufraga na tensão dos escaninhos psicológicos e na solidão da aridez profissional. Há 30 anos você passava por uma roça de milho e via, lá na baixada, dez ou mais capinadores no eito, papeando e cantando, de sol a sol. Hoje, se você passa no mesmo lugar, o que vê é o tratorista, remoendo sua hipocondríaca solidão, manobrando o volante e a caixa de marchas na direção da gastura dos próprios elos que tem ou que tinha com a vida mais salutar. Se não me apaixono por mim (agora o John Lennon diz à Ioko Ono?), alguma mulher o fará? Se não me quero, quem me quererá? Assim ele dizia e tornava a dizer a si mesmo, evocando a dispersão dos hippies e dos beatles na fímbria circular de um dia que procurava a noite com as suas horas de sono. Estava agora nas ruas do único bairro plano da cidade, quando, caminhando em sentido contrário, passou a mulher que certamente inspirou a citação de Grahan Greene: “Eu a quero, de vez em quando. O desejo sexual tem seus ritmos. Mas não a quero para ser minha vítima”.
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