quinta-feira, abril 24, 2008

NOTAS DE UM CINÉFILO (*)

O Cinema é o olhar do outro vendo os outros, a janela de entrada para dentro e para fora, algo que nasceu da lama dos primeiros oceanos, como assegura Griffith? Onde a aurora parece ter chorado, segundo Villiers de l’Isle Adam? Uma viagem de Walter Benjamim, como um desejo de voltar para casa? Uma imagem que evapora como o cheiro de uma laranja, como quer Rémy de Gourmont? O braço de Jean Follain, que se alonga desmesuradamente? Que diviniza a idéia do movimento, como quer Tolstoi? É uma alma que se lembra, Jules Romains? Que me faz sentir mais que eu: muitos eus, como afirma, perguntando, Jean Paul Sartre? É assim que hoje recebemos em nossas casas nossos antepassados, como assegura Saint-Pol-Roux? Dezesseis imagens por segundo, e uma delas, a do cisne de Blaise Cendrars ao atravessar a lagoa? E outra, a do povo rindo das graças de Carlitos? Tudo dentro do sonho, essa perpétua segunda vida, como lá pensa ou diz Hugo von Hofmansthal: o âmago da alma, ele acrescenta, dentro das casas uniformes dos distritos industriais, (de sombrias profundezas trêmulas). O cinema espera Rimbaud, diz Joseph Delteil, e não perde por esperar... As imagens prendem o olhar, diz Gustav Janouch, mas o olhar desvencilha, procura e encontra outras imagens, responde Franz Kafka. Uma hora é um vaso cheio de perfumes, de sons, de projetos e de climas, rebate Marcel Proust, do outro lado da tela magnética. E assim a janela que se abre para o mundo (conforme C. F. Ramiz) facilita a migração dos pássaros. Também Fernando Pessoa acha que é bem no meio da vida que o sonho desdobra seus vastos cinemas, pois de acordo com Cesare Pavese os espetáculos ensinam a viver, e depois vem lá o sátiro L.F.Céline a escarnecer das divinas harmonias possíveis, mergulhado no perdão morno das verdadeiras imprudências da beleza. E é dentro do cinema que Albert Valentin encontra por acaso os grandes vagões musicais para se refestelar nas perseguições e jogatinas, para se purgar no lençol de hospital dos filmes e pesadelos nazistas, onde depois Luc Dietrich consome ebriamente a felicidade dos tristes... Um tanto de paixão humana, outro tanto de esquecimento universal, assim é o somatório do cinema para Pierre Reverdy. Por que me escondo? - Pergunta Greta Garbo, já ao apagar de sua feérica formosura: é para contentar quem ainda crê que eu continuo a existir, ela responde. Ah como é bom carregar pedaços destas estrelas nos bolsos de nossas roupas noturnas! - Alegra-se Henri Calet, em 1948. Pouco depois, em 1955, Delmore Schwartz diz entre aspas e parêntesis que é nos sonhos que as responsabilidades começam. E o lamento de Paul Valéry ao reconhecer que o cinema criava por ele e apesar dele? Tirana e escrava, a bela atriz (a Beatriz de Dante?) levanta de manhã sentindo o peso de tanto abraço, o calor de tanto beijo: tanta carícia imaginária da multidão de fanáticos admiradores: assim já de manhã a vergar suas vértebras reais (né mesmo Raymond Queneau?). Sem dúvida alguma o cinema é a célula de luz, o ponto de reunião (como lá diz Thomas Wolfe) “dos irmãos na solidão, silenciosos na sombra, levantando as corolas brancas de suas faces ávidas, insaciáveis, na direção da tela mágica”. 

(*) Notas de leitura à margem das páginas do livro “O Espetáculo Noturno – Os Escritores e o Cinema”, de Jerome Prieur, tradução de Roberto Paulino e Fernanda Borges, Edit. Nova Fronteira, RJ, 1995.