DESTERRO, ETERNAMENTE
Pouca gente sabe que o antigo Arraial do Desterro, hoje Distrito de Marilândia, é uma das povoações mais antigas de Minas Gerais. Sua Igreja de Nossa Senhora do Desterro foi construída em 1754 (possuo, arquivadas, cópias da documentação da ereção e da inauguração) pelo fidalgo português Manuel Carvalho da Silva, então egresso da Vila do Sabará, da qual era um dos fundadores no começo do esplendor aurífero das minas gerais. A do Desterro é, pois, hoje em dia, a igreja mais antiga de toda a região Oeste de Minas, que permanece erguida e altaneira (as de Pitangui e de Itapecerica – respectivamente a oitava e a nona das Villas criadas na antiga Capitania de Minas Gerais – foram destruídas pelo passar do tempo). No decorrer dos séculos 18 e 19 a localidade do Desterro desfrutou de períodos de fausto e glória em virtude de suas inúmeras (apesar de não tão fartas) minas de ouro nas áreas adjacentes de Bom Sucesso, Cachoeirinha, Córrego do Ouro e Lavrinha. Dava-se ao luxo, pela necessidade, de abrigar e manter um Batalhão da Guarda Nacional, lotado pelo contingente de mais de 100 praças com toda a hierarquia militar, do soldado raso ao Comandante, ocupado anos a fio, por um meu trisavô paterno Bernardo José de Oliveira Barreto, que chegou a chefiar a Corporação na famosa e fatídica Revolução de 1842, desbaratada pelo exército chefiado pelo Duque de Caxias, em Santa Luzia. O Arraial abrigava, na época, cerca de dez tabernas (pensões) – e mesmo filiada à Vila de São Bento do Tamanduá (hoje Itapecerica) administrava , como distrito da vila, uma área territorial enorme, que abrangia parte da Mata do Barreto (hoje Carmo da Mata), Bocaina, Buriti, Aquiles Lobo, São Sebastião do Curral, Partidário, Serra Negra, Beirigos, Berredo, Sabarazinho, Bom Sucesso, Pary e Gonçalves Ferreira. Sem dúvida que Marilândia é um ponto geográfico importante, favorável ao desenvolvimento populacional e econômico e imponente sob o ponto de vista panorâmico e ecológico: entre dois rios (o Boa Vista e o Itapecerica) inesgotáveis apesar do desmatamento siderúrgico, que se emendam antes de chegarem em Divinópolis. A localidade fica, também, eqüidistante de duas vias de transportes e de passageiros: a rodovia federal e estrada de ferro da antiga rede mineira de viação. É assim que o lugar está sempre aprazível. As ruas limpas e asfaltadas e arborizadas, uma beleza acolhedora e desfrutável. Não sei por que ainda não se emancipou politicamente. Merece, ah, se merece! Fica a pouco mais de 20 quilômetros das cidades de Divinópolis, Itapecerica, Carmo da Mata e Cláudio. Lembro-me que quando mantive uma amistosa e literária correspondência com Carlos Drummond de Andrade, por mais de 20 anos, alguns amigos pilheriavam: por que será que ele dá tanta atenção a um simples marilandense? Eu mesmo não entendia, mas tempos depois podia responder aos amigos que eu não era o único marilandense a relacionar-se com o Poeta. Também um primo de meu pai, Jacy Navarro Barreto, teve um relacionamento amistoso com ele. Era casado com Maria de Lourdes Drummond, prima dele e, também o famoso intelectual e político Gabriel de Rezende Passos, era seu amigo e colega de tertúlia na mocidade dos anos 20 do século 20: conviviam na afluência mineira do chamado Modernismo Literário de 22, despontado em São Paulo e crescido em Minas pelo talento e a criatividade dos jovens que se tornaram ícones da literatura brasileira (além do Drummond pontificavam o Emilio Moura, o Pedro Nava, O Cyro dos Anjos, o Aníbal Machado - e na política Gabriel Passos, Milton Campos. Gustavo Capanema, Rodrigo Melo Franco de Andrade). Gabriel é, pois, mais um marilandense amigo do nosso Drummond. Tenho em mãos cópia de um documento do Arquivo Público do Fórum de Itapecerica que diz o seguinte: “Lote 30060 – 1933. Justificação de Nome: Dr. Gabriel de Rezende Passos - Justificante. Dr. Promotor de Justiça: Justificado. Requerimento ao Juiz de Direito da Comarca de Itapecerica. Gabriel de Rezende Passos, por seu bastante Procurador abaixo assinado, vem expor e requerer a V. Excia. o que se segue: a) que nasceu em 17 (dezessete) de março de mil novecentos e um; b) que é natural deste município, tendo nascido em Gonçalves Ferreira, distrito do Desterro; c) que é filho de Ignácio Ferreira Passos e de D. Maria Emiliana do Carmo e por avós maternos Hipólito Felismino de Rezende e Antônia Rezende; d) que no registro de nascimento, feito nesta cidade (Itapecerica), consta apenas o seu primeiro nome Gabriel. Etc. Etc.”. Como se nota o intelectual modernista transigiu e evoluiu na área política, merecendo exercer importantes cargos nas altas esferas administrativas nos governos estadual e federal, além de cumprir mandatos como deputado federal e depois ser um dos melhores ministros do governo Vargas, responsabilizando-se pela implantação da PETROBRÁS, sendo um de seus fundadores. E foi assim que o renome histórico desse marilandense mereceu a homenagem póstuma do governo paulista que deu seu nome a uma bela e extensa Avenida que corta as áreas nobres e centrais de Moema e do Ibirapuera. Dezenas de quarteirões apinhados de luxuosos edifícios residenciais ostentando seu nome nas placas de todas as esquinas.
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