OS SENTIDOS DA PAIXÃO 2 (*)
“Um homem não escolhe as paixões. Ele não é, então, responsável por elas, mas somente pelo modo como faz com que elas se submetam à sua ação” – Gerard Lebrun, que em seguida cita Nietzche: “que se represente um homem transtornado, arrebatado por uma paixão violenta por uma mulher ou por uma grande idéia: como o seu mundo se transforma!”. Mas a luz excessiva às vezes é uma absoluta cegueira – lembro-me de ter dito assim num verso de meus velhos poemas. “Se a Paixão é um componente de minha natureza e de minha saúde” (ainda é Lebrun que, na página 29 diz) “é porque, em princípio, ela é dominável”. (...) Aristóteles já recomendava que “deve-se aprender a dominar as paixõe e não a reprimi-las”. “A inveja habita no fundo de um vale, onde jamais se vê o sol. Nenhum vento a atravessa; ali reinam a tristeza e o frio, jamais se acende o fogo, há sempre trevas espessas” (Dante Alighiere). Na página 127 estão as palavras de Renato Mezan: “O amor com que amamos a nós mesmos é um amor sexual, e a prova disso está na gama de fenômenos ligados ao auto-erotismo, gama que vai da masturbação à ginástica, passando pelos cuidados com o corpo, com seu embelezamento e sua valorização. (...) O narcisismo é uma parte da vida sexual de todos nós, e Freud o incluiu entre os avatares da libido”. A paisagem dionisíaca em Tristão e Isolda, segundo José Miguel Wisnik: “... envolve paixão e morte, amor, casamento e adultério; amizade, sexo e desejo. O sagrado e o profano, a ortodoxia e a heresia se debatem em seus bastidores; a constelação contraditória desses temas e as desconstruções a que os movimentos ambivalentes da narrativa nos convida fazem ver o seu anacronismo arcaico (mas arquetípico) à luz de uma surpreendente atualidade”. (...) Desenha-se ali “uma espécie de genealogia da desdita amorosa, ou seja, da paixão que não tem lugar, da paixão como lugar sem lugar...: os amantes, quando se encontram, não se casam, e, quando se casam, não se encontram” (páginas 196 e 198). Página 284, Paulo Leminski: “chego, às vezes, a suspeitar que os poetas, os verdadeiros poetas, são uma espécie de erro na programação genética. Aquele produto que saiu com falha, assim, entre dez mil sapatos um sapato meio torto. É aquele sapato que tem consciência da linguagem, porque só o torto é que sabe o que é o direito. (...) Amor é dado de graça.... Pode-se comprar sexo de outra pessoa, mas o amor a gente sabe que é o último reduto que resiste à trásformação em mercadoria. (...) O amor não é estudado pela psiquiatria, nem pela psicanálise, nem pela psicologia social. O amor é uma coisa que você vai ter que procurar nos artistas, na televisão, no cinema, e, principalmente, na poesia”. Lou Andreas-Salomé (a paixão viva do poeta Rainer Maria Rilke), escreve sobre o amor (no artigo de Luzilá Gonçalves Ferreira, da página 365: “o ato sexual é o meio pelo qual a vida nos fala, como se o amante não fosse apenas ele mesmo, mas também a folha que treme sobre a árvore, o raio que cintila sobre a água – mágico da metamorfose de todas as coisas, uma imagem explodida na imensidão do Todo, de tal modo que nos sentimos em casa onde estivermos”. É bom lembrar que Rilke pregava a complementação dos amantes um no outro, um do outro e não na simples euforia e no egoísmo da posse individualizada. Renato Janine Ribeiro na página 421: “As cristalizações significam que a felicidade se constitui sobre bases imaginárias, sobre as fantasias que projeto na pessoa amada, e não em cima de dados reais, objetivos. Stendhal imagina um rapaz que, entre uma mulher belíssima e outra com o rosto marcado pela varíola, se apaixona por esta – porque lhe recorda a amada, que morreu da mesma doença. Sergio Paulo Rouanet, diz, na página 463, que aprendeu “com o iluminismo de Diderot que “sem as paixões, nada existe de sublime, nem nos costumes nem nas obras humanas” e, com Helvetius, que “as paixões são no mundo moral o que o movimento é no mundo físico: ele cria, destrói, conserva, anima tudo, e sem ele tudo está morto”. Do mesmo modo são as paixões que vivificam o mundo moral.” Interessante notar que à margem da página 464, eu anotei, quando li o livro em 1992, as palavras: “tenho um conto em que conto algo semelhante”. Kátia Muricy, nas páginas 504 e 505: “a melancolia heróica de Baudelaire, ao afirmar em sua “mimese da morte poética”: “tenho mais lembranças que se tivesse mil anos”. A política sendo para o filósofo Walter Benjamin uma categoria teológica: “arrancar a política das malhas do mundo profano é a tarefa revolucionária” da humanidade.
(*) Transcrições do livro OS SENTIDOS DA PAIXÃO, edição Funarte/Companhia das Letras, apresentação de Adauto Novaes, 1983, São Paulo, SP.
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