A POESIA FALA A VERDADE
Intróito:
O caderno ILUSTRÍSSIMA, suplemento domingueiro do jornal
“Folha de São Paulo”, enriquece duas de suas belas páginas na típica homenagem
póstuma à Poeta polonesa Wislava Szymborska, Prêmio Nobel de Literatura de
1996.
Leitura de tanto interesse geral que não me contenho em
transcrever um dos poemas para repartir o prazer com os leitores.
O poema intitulado COAÇÃO é traduzido por Regina Przybycien.
Bom proveito, leitores amigos.
COAÇÃO
“Comemos a vida de outros para viver.
A falecida costeleta com o finado repolho.
O cardápio é um necrológio.
Mesmo as melhores pessoas
Precisam morder, digerir algo morto,
Para que seus corações sensíveis
Não parem de bater.
Mesmo os poetas mais líricos.
Mesmo os ascetas mais severos
Mastigam e engolem algo
Que, afinal, ia crescendo.
Custa-me conciliar isso com os bons deuses.
Talvez crédulos,
Talvez ingênuos,
Deram à natureza todo o poder sobre o mundo.
E é ela, louca, que nos impõe a fome,
E ali onde há fome
Finda a inocência.
À fome se juntam logo os sentidos:
O paladar, o olfato, o tato e a visão,
Pois não é indiferente quais iguarias
E em quais pratos
Até a audição participa
No que sucede, pois à mesa
Não raro há conversas alegres.”
Justifico a transcrição considerando que, no meu entender,
só ela poderia dizer palavras (em conceitos e imagens) tão abertamente
inaceitáveis na prática e verdadeiras no fundo, no meio e na superfície de toda
vivência animal, mormente a vivência racional, especificamente humana. E
insoluvelmente humana?
Afinal: não passamos
de viventes errôneos?
Pausa para meditação.
Penso que deveríamos ser menos carniceiros e carnívoros,
menos pescadores e matadores, mais plantadores e cultivadores e humanos. E menos
destruidores...
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