segunda-feira, agosto 29, 2005

2l - SÓ (*)

Menino diferente que eu era
não conseguia ver as coisas como os outros viam,
não podia tirar minhas conclusões das fontes
que os outros tiravam as deles.
Eram outras as origens de minhas tristezas,
outro era o canto que jamais destrancaria
dos porões e sótãos de minha penitência.
Os passados sofrimentos não passaram,
não passam nem passarão,
estarão sempre nas próximas moitas.

O que amei, amei sozinho.
A carga de sofrimento que carregava
só podia ser descarregada na sepultura?
Assim na infância e na juventude
(e na maturidade que não veio)
Ergueu-se no bem e no mal dos abismos
O cadeado de mistérios,
que um dia abrirá, apesar dos pesares,
libertando esta pessoa em forma de nuvem
que só só só se alterará
no amplo azul, como um demônio
a revelar que mesmo depois da morte
minha alma estará dentro de mim
no triste e solene sono no leito de vermes
- e assim, pois
antes que o pó ao pó retorne
ali estarei em paz – e as seguintes horas corrosivas
serão minha exclusiva companhia.

(*) escrito ao ler a antologia de Edgar Allan Poe, em tradução de Oscar Mendes e Milton Amado, edição Nova Aguilar, RJ, 2001.