terça-feira, novembro 22, 2005

SABOREANDO PELAS BEIRADAS I

Recital Dazibao. Um espetáculo empolgante na Praça da Catedral, em frente ao Museu Histórico. Sob a coordenação do escritor Camilo Lara, a atriz Ana Gusmão exibe sua genialidade histriônica transigindo (indo e voltando) incisivamente das expressões dramáticas e trágicas como se a incorporação viesse de onde já estava, no fundo e na superfície, sem premeditação, sem despojamento. Qualidade rara nos atores escolados e profissionais. A segunda parte do espetáculo interliga o diapasão interpretativo, com o Grupo Coletivo Criado Mudo, ilustrando à viva voz a incorporação cênica-dinâmica de um poema de Adriana Versiani de infinitos níveis de significação, desde a referência nostálgica dos Beatles na musicalidade polifônica das vozes, dos metais, dos sopros e da indisciplinada e no entanto funcional e persuasiva coreografia. Uma epifania momentânea e memorável. Fico imaginando na (quem sabe) possibilidade desse pessoal aproveitar novos textos da Adriana e também, depois (quem sabe) a adaptação da trilogia de Sófocles (Antígona, Rei Édipo, Édipo em Colono) com as duas equipes na mesma tônica e elasticidade, argúcia e persuasão, beleza e dor, flor e espinho, a tragédia dos seres vivos verdadeiros e não dos fantoches. Palimpsesto. O que é maravilhoso na literatura é a noção que nos dá que tudo já foi dito e no entanto tudo está por dizer, que a Vida, incluindo nela o Mundo, é o palimpsesto ágil e prolongado, é a idéia e a imagem, coladas na tela ágil e prolongada do palimpsesto: a história e a geografia vão e não nos levam na mesma escada rolante, levando a frente do Tempo trazendo o verso do Tempo numa variação de tons que nos acorda de um sonho mais lúcido do que tantos outros irresolvidos e indisponíveis O Dom da Palavra Qualquer palavra, uma vez amada, fica inesquecível... o dossel da árvore e da cama é a mesma palavra que pode ocultar-se, mas se o faz é para preservar suas ramificações surpreendentes. O olhar é uma palavra e é um olhar a mesma versificação da prosa na poetização dos afagos e desventuras. Nem que passem meses e anos a palavra tangível de um certo olhar está gravada para conservar na treva uma certa luz na janela dos anos. As Mulheres e Seus Versos Adélia Prado, as asas na bagagem esta tarde inesquecível Deus me deu. Ana Cristina César, entre os complementos o gato era um dia imaginado nas palavras. Ana Hatherly, por onde sobe a bruma a noite por dentro do mar todo vermelho. Ái dos pusilânimes, Cecília Meireles que não é alegre nem triste, é poeta. Christina Rosseti, é melhor que contente me esqueças, que me lembres e te entristeças. Nunca levaste dentro de si uma estrela dormida?