terça-feira, maio 16, 2006

O TEATRO EM QUESTÃO

Bertold Brecht já foi considerado o Shakespeare do século vinte. Priorizava os temas sociais e a angulação política (e nesse ponto às vezes derrapava), ia fundo na alma humana porque sabia, fugindo do naturalismo, fundir o dueto do “estranhamento” com o “distanciamento”, o ir e o vir, o close e a panorâmica da vida no mundo. Numa carta recebida de Bárbara Heliodora (em 1963), crítica teatral especializada em Shakespeare, ela observava que “a coisa mais importante à obra dramática é que ela não diga alguma coisa que o autor sente necessidade pessoal de dizer, mas sim que ela diga alguma coisa que precisa por ela mesma ser dita”. A isso ela dava o nome de “imparcialidade” do autor, que Brecht, como ativista político, não tinha, e por isso muitas vezes desperdiçava seu talento, batendo na tecla falsa. Para Stark Young, famoso crítico norte-americano, a arte teatral é a mais complexa de todas porque depende de um grande número de pessoas: os atores, o diretor, o músico, o cenógrafo e o dramaturgo (este, na opinião dele, o mais importante de todos, pois é ele que “cria o tema em termos de vida”. No Brasil as experiências de Augusto Boal com o teatro do oprimido, de Gerard Thomas com a ópera seca e de José Celso Martinez com as transcriações, revolvem as cinzas que de tempo em tempo recobrem as brasas vivas dos teatros grego e elizabetano, descobrindo outras fagulhas vívidas nos clássicos romanos, franceses e nos populares medievais, instigando a criatividade em todos os níveis da encenação teatral. Boal começou a fazer teatro nos bons tempos da década de 50, quando o método de Stanislavski ( o laboratório, o distanciamento, o entranhamento) chegou ao Brasil através de Sady Cabral, Luiza Barreto Leite – e logo contaminou o grupo de memoráveis teatrólogos: Guarnieri, Vianinha, Flávio Miglíacio, Nelson Xavier, Tônia Carreiro, Cleide Yáconis, Paulo Autran, Sérgio Brito, Abílio Pereira de Almeida, Jorge Andrade, Graça Melo, Sábato Magaldi, Nydia Lícia, Nelson Rodrigues, Millôr Fernandes, Bibi Ferreira, Sérgio Cardoso, Ziembinski, Cacilda Becker, Maria Clara Machado, Ariano Suassuna, Fernando Peixoto, Fernanda Montenegro, Osman Lins, Gláucio Gil etc. Picles Dietéticos. O The Living Theater, produto do movimento libertário mundial da juventude revolucionária de 1968, era um grupo de vanguarda, itinerante, dirigido por Julian Beck e Judith Molina, portador do dialeto das ruas ao som nebuloso de estranhas melodias, que fazia da representação cênica uma experiência compartilhada entre os elementos do grupo e o público. O teatro vivo é o mundo – eles diziam. Estiveram morando em Ouro Preto, onde foram presos pela ditadura militar e deportados como marginais e subversivos. Depois de citármos os teatrólogos brasileiros, vamos dar um pulo até a bela e variada ninhada dos modernos vanguardistas de outros palcos, citando como exemplares os dramaturgos Harold Pinter, Edward Albee, Antonin Artaud, Strindberg, Pirandelo, Jean Cocteau,, Tchecov, Albert Camus, Terence Rattingan, Tenessee Willians, Beckett, Ibsen, Claudel, Eliot, Inge, Marlowe, O’Casey, Eugene O’Neill, Arthur Miller, Sherwood, Steinbeck, Synge etc. São os faróis noturnos do embevecimento esclarecedor onde quer que tenha um grupo que saiba desencadear as emoções e as idéias em formas vivas aos olhos de todos nós. Divinópolis, felizmente, está neste caso. Abro aqui um parêntesis para dizer que este texto deriva de uma palestra no auditório do INESP (Faculdade de Divinópolis) em 1999, onde seria encenada a peça infantil deste autor, “Quem Matou o Filho da Onça?”, dirigida por Oswaldo André de Melo. A peça aproveita uma piada que reporta ao fantástico tempo em que os animais falavam – e tenta aglutinar temas de literatura oral, sem tirar nenhuma conclusão, moralista ou não, tentando apenas mostrar, indiretamente, que o ser humano participa do chamado reino da bicharada, e que está longe de se o melhor tipo da espécie animal, apenas o mais dominador. Alguns Princípios Teatrais Segundo Stark Young. Aristóteles coloca o enredo em primeiro lugar entre os elementos dramáticos: de todos é o mais difícil e expressivo. Como instrumento de expressão o autor tem às sua disposição a vida ou a atmosfera dos costumes retratados, os pensamentos e as reações emocionais características dos seres humanos, podendo trabalhar em termos desses aspectos, em termos de seus personagens e suas ações. O olhar e o sorriso não valem tanto, no caso, já que o público não podem vê-los. Bernard Shaw, quando escreve falas de trezentas palavras, mesmo assim está escrevendo teatro, porque escreve por meio da justa evolução das partes constituintes e com expressões equilibradas a fala atinge um estado especial que a faz transpor a ribalta e viver no teatro, enquanto que outra fala mais curta pode levar o ator ao desespero e o publico à mais completa apatia. Aristóteles diz que quando o poeta fala como indivíduo, não cria imagens – e da mesma forma podemos dizer que quando o ator está sendo apenas ele mesmo, não é um artista. Homero, ele diz, por mais admirável que seja em qualquer outro aspecto, o é acima de tudo neste, pois sabe qual é papel a ser desempenhado pelo poeta no poema.. Somente por intermédio de sua idéia criadora pode o ator compreender sua parcela no conjunto da obra de arte teatral a qual deve servir: tudo o mais nele só pode ser utilizado pelo diretor e pelo dramatista, pois ele não passa de um elemento de expressões, assim como são os pigmentos, as telas e a luz na pintura. A idéia determina o estilo do mesmo modo que o processo da cristalização atua dentro de um mineral. E nem tampouco pode a mesma coisa ser dita de duas maneiras diversas, já que cada uma diz alguma coisa diferente. É isto que Buffon queria dizer ao declarar que o estilo é o homem; e que Spencer queria dizer quando declarava que a alma é forma e é quem faz o corpo; e o que queria dizer Chaucer, quando dizia que a palavra tem que ser irmã do ato. Há os que cosem para fora, eu coso para dentro, dizia Clarice Lispector. A sociedade que não sabe ler versos é presa fácil de tiranos e demagagos, disse Josef Brodski. E é com Dante que concluímos nossas passageiras considerações a respeito dos assuntos supracitados: “Ó graça abundante, onde presumi fixar meu olhar na luz eterna tanto tempo que minha vista fora nela consumida”.