OS CANTARES DE OUTUBRO I
I
Muitas crianças morrem de fome
enquanto seguimos nas ruas do Centro onde
o desgosto das casas é menos agressivo
as rugas atacam a pele dos olhos.
O samburá na estaca de arame
o pobre roceiro pregado na cruz
não havia um caminho começando ali?
o cruzeiro da laje abre os braços
o lavrador cai pela terceira vez.
A caneta do chefe dava tiros fatais
morrer aos poucos é a nossa vida
o pau de espinho é a nossa bandeira
a meningite esguelha outra criança.
II
Toda família tem a sua tristeza.
O pai chega em casa bêbado
a mãe bate no filho, em si mesma.
Toda mulher feia é infeliz
todo homem pobre é feio
toda criança é abandonada.
dorme que o lobo fareja o barraco
dorme enquanto
o lobo de pasta e gravata
(chula e lula é a mesma burla, a mesma merda?)
não vem te pegar.
III
Quem se levanta do nosso lado?
o cão late dentro da noite
um rio também, mas ninguém ouve
da insônia da criança, apenas a fome.
A morte lambe as rugas do velho.
Somos milhões de cristos na noite
da sexta-feira das paixões.
Vermes da terra sáfara, flores
deserdadas da concebível primavera.
O latido vibra no ar, atravessa
o rio das imundas fezes,
grampeia três folhas de papel almaço.
A criança contesta Deus,
leva outra surra do pai.
Quem vai recuperar a vergonha na cara
de agora em diante?
O que esses sacanas mais precisam?
de fidelíssimos espelhos acusadores?
Brasília corrompeu todo o país?
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