quarta-feira, maio 10, 2006

MORA NA FILOSOFIA

Para Sócrates a essência da filosofia é o conhecimento de si mesmo. Sem que se saiba de si, como saber dos outros? O bom julgador a si se julga, não é mesmo? Cristo santificou o axioma com a resposta que deu a Pilatos, quando perguntado: “O que é a verdade?” “Eu sou a verdade”, Ele respondeu, dando a entender que cada um de nós só pode verdadeiramente conhecer a si mesmo e a mais ninguém. “Eu sou eu e a minha circunstância” – é o que Ortega y Gasset acrescenta ao postulado socrático. A pessoa pode até insurgir contra o que o mundo faz de sua vida, pode indignar, espernear e tentar com ou sem êxito, mudar o mundo, mas acabará confirmando que assumiu a circunstância, mesmo repudiando-a. Queiramos ou não, temos que viver a partir dela. O samba“Mora na Filosofia”, de autor por mim desconhecido, tem lá seu significativo refrão: “Por que rimar amor e dor?” Baruch Spinosa, o mais legível dos filósofos, disse mais ou menos assim: se você aliena a interioridade e cai nos braços da exterioridade, passa a viver fora de si, perde o amor-próprio e pode ganhar o ódio dos outros, chegando até mesmo à beira da morte, dentro do perigoso rio das peripécias letais. O ciúme, como o remorso, é um valor pejorativo, um sofrimento degradante, que foge ao âmbito do apetite e do desejo. Monstro dos olhos verdes, como se diz. Desamor de si mesmo pelo superamor de quem talvez não o mereça? Entre Heidegger e William James fica o paradoxo comportamental na modernidade: a metafísica (o ser) e o pragmatismo (o ter). Paradoxo que pode ser ilustrado pela velha história de quando Deus quer fazer um carvalho, leva vinte anos; e quando quer fazer um pé de abóbora, gasta apenas poucos meses. Kierkegaard: “Grande é alcançar o eterno, mas ainda maior é guardar o temporal depois de a ele ter renunciado (...) . O prodígio foi Abraão e Sara terem sido bastante jovens para manterem acesa a chama do desejo: foi a fé inquebrantável no valor mais alto que manteve neles o desejo e, com o desejo, a juventude”. Theodoro W. Adorno: “A masoquista cultura de massa constitui a manifestação necessária da própria produção onipotente” (ele falava da ruindade musical de nosso tempo) “e corresponde ao comportamento do prisioneiro que ama a sua cela porque não lhe é permitido amar outra coisa”. Friedrich W. Nietzsche(cito de memória): “A tendência da filosofia é tornar-se cada vez mais política e até policial”. Michel de Montaigne cita Cícero para dizer porque amava outra pessoa: “O amor é o desejo de alcançar a amizade de uma pessoa que nos atrai pela beleza”. Essa pessoa, que ele amava, quem era? Ele não sabia explicar o quanto amava a quem amava, senão dizendo “porque era ela, porque era eu”. Jean- Paul Sartre: “O homem está condenado a ser livre. Condenado porque não se criou a si próprio, livre porque uma vez lançado ao mundo, é responsável por tudo quanto fizer”. O progresso filosófico (como diz Richard Rorty) não é questão de resolver problemas ou penetrar em mistérios, mas sim, como disse Wittenstein de “indicar à mosca a saída da garrafa na qual ela está presa”. Anaxímenes, da antiguidade grega: “Assim como toda ordem do mundo está bafejada de ar e brisa, nossa alma é como o ar que nos envolve e domina”. A verdadeira alegria é uma coisa muito séria, diz Sêneca, da antiguidade romana, que também disse: “Vive com os homens como se Deus estivesse vendo; fala com Deus como se os homens estivessem ouvindo”. E o brasileiro Sérgio Paulo Rouanet escreve: “Quanto a Freud, é impossível compreender a ressurreição contemporânea de velhas patologias como o fundamentalismo, o nacionalismo, o racismo, a agressividade interétnica e o terrorismo, tanto o Religioso como o de Estado, sem o auxílio de categorias freudianas como o narcisismo de grupo, a pulsão de morte, o medo de castração e a nostalgia da hora”. Para concluir, algumas pérolas da sabedoria popular (traduzidas da erudita ou a erudita é que se valeu dela?): “Quem não tem couro, não faz trato com cuíca; quem toma a carapuça é porque lhe cabe; quem não pode com o pote, não põe a rodilha na cabeça; cumbuca de pimenta não perde o ardume; em terra de sapos, andemos de cócoras; quem fala do diabo, pisa no rabo; quem tem cabeça de cera não deve pô-la ao sol; Deus dá o toucinho, o Diabo tira o jirau; se tem formiga na escada, tem doce lá em cima; louvor em boca própria é vitupério; o prometer anda nas ancas do dar; quando se procuram porcos, até as moitas roncam; quem de mel se faz, as abelhas lhe lambem;quem o alheio veste, na rua o despe; terra movediça não cria limo.