terça-feira, maio 09, 2006

OS ENCANTOS DO TERROR (*)

O espírito cósmico paira (é todo um sussurro de luz), baixa e sobe e torna a pairar ao sabor dos ares mansos e bravios, encarnando e desencarnando nos seres vivos (vale dizer, na vida planetária), insuflando e amortecendo na parte física da alma as meditações : daí é que vem o peso mortal sobre os sonhos os telhados os gatos sobre a folhagem lilás de sol sem nuvens do entardecer sobre o rio e suas matas ciliares. A lua que vai pelos caminhos da noite afasta-se dos ocasionais torpedos e ribombos. As vozes da ventania não encontram respostas na montanha imobilizada. As flores que crescem na palma da pedra Os temores que brotam na sola dos pés Os arrepios que abanam as orelhas, piscam os olhos... E se a massa de éter que entra pela janela pegar fogo de repente? Quem de nós não se desprende dos laços sociais para ficar ao relento, sozinho, algum tempo? Os círculos menores dentro dos maiores : assim começa e prossegue a dança do infinitamente grande dentro do infinitamente pequeno. Desde sempre e para todo o sempre lá está bem no centro de um e de outro o poeta Edgar Allan Poe, nas escarpas das risonhas e tristonhas montanhas nas veredas dos vales e dos espigões soturnos, a contemplar a solidão e a natureza, a contemplar-se e metamorfosear-se. E assim foi traçado o jardim sobre o corpo da jovem que dormia na areia da praia: entre a água e a relva, o céu a florir, o rio a fluir, assim como quem ama a vida que leva a um dos ninhos dos detalhes desse jardim. (*) Deus (Baudelaire, em seu artigo sobre Poe, emprega a palavra Natureza em vez da palavra Deus) mostra-se muito enérgico com quem deseja extrair grandes e belas coisas enquanto vive. Foi assim com tanta gente ao longo do tempo, mas relativamente a Poe não deixou por menos: fez com ele vivesse (sofresse) na primeira metade do século 19 justamente nos estados Unidos da América do Norte, o País das astúcias do pragmatismo e das farpas do arrivismo. 

(*) O poema acima foi inspirado na leitura do livro “Edgar Allan Poe – Ficção Completa, Poesias e Ensaios, traduções de Oscar Mendes e Milton Amado – Editora Nova Aguilar, RJ.