OS SINOS DE SÃO JOÃO
Uma viagem onírica. Minas são muitas, mas vamos ver aqui, ligeiramente, apenas dois aspectos dela, as regiões industriáveis e as agriculturáveis. As primeiras ficam principalmente no chamado quadrilátero ferrífero, que eternamente tritura os sobejos das faustosas minerações das pedras preciosas; as segundas primam pelo inestimável cabedal da riqueza vegetal. As primeiras são nossas conhecidas, vivemos nelas, agüentando o tranco dos ciclos da chamada economia de mercado; as segundas ficam principalmente na Zona da Mata, no Sul do Estado, no Triângulo Mineiro e Alto do Paranaíba. Paisagens lindíssimas no desdobramento e multiplicação das espécies e das cores vegetais, predominando as tonalidades do verde em lentos sussurros. Penso ser necessário que alguém, algum dia, deve retalhar, explicitar, delimitar e equacionar as variáveis antropogeográficas dessas belas e queridas aquarelas mineiras. Fomos (eu e minha família) outro dia à Muriaé, participar da comemoração do centenário de nascimento do saudoso, nobre e leal Comendador Raphael José de Oliveira Barreto – e pela primeira vez entramos no recesso, hoje desmatado, mas ecologicamente preservado (se isso é possível, no caso) da Zona da Mata, e tivemos o prazer de conhecer as cidades de Ubá e Mirai, abençoadas terras de dois ícones da música popular brasileira, Ary Barroso e Ataulfo Alves, que há décadas embevecem os corações brasileiros. Toda a paisagem de serras e vales da antiga Mata Atlântica e hoje pastagem oferece a visão de um imenso corpo depilado que pitorescamente reservou as áreas da barba e do bigode e do alto da cabeça em forma de grotas, cumes e penhascos: o restante se apresenta limpo e verde nos declives e aclives panorâmicos, onde vicejavam os antigos e fartos, infindáveis cafezais, hoje rareados pela predominância da pecuária. Comparável ao encantamento dessa visão foi o da audição, na Festa do Centenário do Comendador Raphael, através do triplo repertório e performance do coral dos Pequenos Rouxinóis de Divinópolis, da Orquestra Sinfônica da Banda de Musica da Polícia Militar do Rio de Janeiro e da Cantora Lírica Gina Martins, do Teatro Municipal, também do Rio. Momentos de intensa vivência, de extensa inspiração, que nos deixaram profundamente encantados. A segunda parte da requintada festa foi o lançamento do livro OS SINOS DE SÃO JOÃO – A Vida e os Tempos de Raphael Barreto -, de autoria de Ruy Barreto, (Advogado, Empresário, Presidente da Federação das Associações Comerciais, Industriais e Agro-Pastoris do Estado do Rio de Janeiro, em várias gestões;, Presidente da empresa Café Brasília; Conselheiro de várias entidades sócio-culturais; Autor bissexto de textos analítico-memoralísticos para jornais noticiosos), filho do homenageado. O livro agora publicado pela Editora Mabuya surpreendeu seus amigos e conhecidos pela amplitude e discernimento que projetam e descrevem na acertada linguagem da legibilidade, com a inteireza dos juízos, a modéstia do tratamento das lutas e façanhas familiares, um memorial primoroso. O trisavô do autor, o português da antiga Villa dos Guimarães, Portugal, Antônio José de Oliveira Barreto, veio para o Brasil por volta de 1790, casou-se em São João del Rei, com Anna e depois com Felizarda (ambas descendentes de ilustre nobiliarquia paulistana), desempenhava as funções civis de advogado, e militares de alferes (de Ordenança e depois da Guarda Nacional). Proprietário de muitas glebas rurais e imóveis urbanos nas regiões de Cláudio, Desterro, Oliveira e São João Del Rei, onde criou e formou os filhos na disciplina estóica e na melhor escolaridade da época, oferecendo-lhes livre trânsito na vasta região do centro-oeste de Minas, já numa época de exaustão aurífera e de migração dos colonizadores mais previdentes. Seu bisneto Raphael (1902-1972), depois de passar a infância e a adolescência em São João, foi levado pelo irmão mais velho, o Padre José de Oliveira Barreto, para Santa Rita do Glória, lugar encravado na distanciada Zona da Mata, trocando sua cidade natal de tantos recursos e confortos, para viver num lugar afastado da civilização, povoado de cangaceiros resolvedores de litígios entre políticos e fazendeiros. Foi assim, asperamente, que iniciou sua luta pela sobrevivência, com os pesados e corajosos passos das pequenas e grandes vitórias e venturas, que fizeram dele (moldaram sua têmpera) não apenas um homem de projeção e liderança, mas também um pioneiro do crescimento conjuntural da região, insuflando ali o interesse e o exercício das novas tecnologias que já instauravam o progresso em outras plagas dos novos tempos. E a partir daí os custosos anos de luta pela sobrevivência transformaram-se em felizes anos de transcendência, concorrendo no aperfeiçoamento das instituições e das modalidades de vida social e de todo um novo contexto saudável e civilizado, agora ao alcance de todos. Assim inspirado e aparelhado, seu filho Ruy pôde realçar na inteireza dos juízos de suas memórias as comoventes palavras finais do belo livro: “...Parou de bater o coração de um dos homens mais dignos, independentes, altivos, corretos, humanistas e solidários com os seus semelhantes, que conheci em toda minha vida”.... Um retrospecto afetivo sinceramente envolvido nas lembranças que precisam ser revividas, descritas e narradas com tal justeza, tendo em vista seu conteúdo de exemplaridade e também pelas variáveis temáticas que evocam, mormente às referentes aos doces sentimentos da ternura humana. Um livro assim para perpetuar as inesquecíveis recordações que às vezes o tempo inexorável se encarrega de empalidecer e olvidar, o que no caso, felizmente, o livro de Ruy Barreto não deixa acontecer. E em termos e homenagem póstuma ( de minha parte) ao pioneiro Raphael Barreto, transcrevo alguns versos do poema “Pioneiros! Ó Pioneiros!”, De Walt Whitman, em tradução de Oswaldino Marques: “Pioneiros! Ó Pioneiros! Pois, não podemos marcar passo aqui, Temos que marchar, arrostar o impacto do perigo, De nós, jovens raças enfibradas, de nós todo o resto depende, Pioneiros! Ó Pioneiros! ... Avançam, avançam as compactas fileiras, Com novas etapas sempre a conquistar, os claros rapidamente preenchidos, Em meio a refregas, derrotas, todavia movendo-se e nunca se detendo, Pioneiros! Ó Pioneiros! ... Já desceu a noite? Tornou-se a estrada árdua ultimamente? estacamos desencorajados, meneando a cabeça pelo caminho? Todavia, vos concedo uma hora efêmera para que pareis esquecidos De vós mesmos no vosso roteiro, Pioneiros! Ó Pioneiros! Até que, com o som dos clarins... Longe, muito longe, o toque da alvorada – Ouvi! Como é estridente e claro! Ligeiro, para a frente da tropa! Ligeiro, acudi aos vossos lugares! Pioneiros! Ó Pioneiros!
0 Comments:
Postar um comentário
<< Home