ROMARIA AO SANTUÁRIO DE MARILÂNDIA
O controle social, se bem planejado e conduzido, é necessário e possível. A prova disso é a Festa de Nossa Senhora do Desterro, organizada pelo Conselho Paroquial de Marilândia, coordenado pelo Padre Geraldo José Maia e pelo seminarista Bruno Teodoro Ribeiro. Separando as áreas físicas da localidade, uma destinada aos nefelibatas e outra aos religiosos, a Festa neste ano de 2004 teve um transcursos feliz, recompensando os esforços de milhares de romeiros vindo de toda parte. Que todo ano seja assim, ainda mais agora que o Templo passou a chamar-se Santuário de Nossa Senhora do Desterro, justamente pela numerosa afluência dos católicos piedosos e afetuosos. Parabéns a todo o catolicismo diocesano. A Antiguidade do Templo. Em 1744 a Câmara e Almoçataria da Villa de São José del-Rei aprovou o Auto de Posse do Arraial de São Bento do Tamanduá (hoje Itapecerica). A Capella de Nossa Senhora do Desterro, no lugar que hoje se chama Marilândia, foi inaugurada dez anos depois – mas a localidade já existia, mesmo um tanto desordenadamente. A Villa de Sabará foi criada em 1711 e a de Pitangui em 1715. Ao que tudo indica a região do Desterro pertenceu a Sabará até 1744 e passou a pertencer a São José até 1789, ano da fundação da Villa de São Bento do Tamanduá, que incluía no território a localidade do Desterro. A Villa de São José foi criada em 1718. Durante muito tempo os caminhos mais freqüentados dos moradores dessa região eram, os da Villa de Sabará peloDistrito de Bonfim, ponto de venda de escravos naquela época. A partir de 1750 (mais ou menos) é que os caminhos de São José passaram a cruzar os de Sabará e os de Pitangui, de forma que o Desterro recebeu influência e migrantes das três Villas. Em 1783 o Distrito do Desterro já possuía seu Batalhão de Ordenanças, com seuComandante e toda a Tropa. Na famosa pendência religiosa que houve entre os Padres Toledo e Gaspar, no Tamanduá, o Ignácio Pamplona (todo poderoso na época e depois anatematizado como delator dos Inconfidentes) pediu ao Comandante do Desterro que apaziguasse o litígio, o que não foi possível. E o Padre Toledo, apaniguado do Pamplona, teve que voltar para a Villa de São José com uma mão na frente e outra atrás. A população da localidade em 1832 era maior do que a de hoje: 2217 almas, sendo 1699 livres e 519 cativos. Sua área urbana era servida de 10 Tabernas (pensões) e de quase 200 praças no Batalhão. A extensão do Distrito ia do Povoado de Boa Vista do Desterro (hoje no Município de Carmo da Mata) a Serra Negra do Desterro, circunscrevendo as regiões e povoados rurais de Gonçalves Ferreira, Bocaina, Buriti, Cacoco, Serra Negra, Bemposta, São Sebastião do Curral, Partidário, Sucupira, Sabarazinho etc. A Carta de Sesmaria de Manuel Carvalho da Silva tem o número 112, de 17/10/1754, na qual diz que o terreno confronta com outro terreno que já era dele, adquirido ao Padre Manuel Siqueira. O sesmeirol era egresso da Villa de Sabará, para a criação da qual foi um dos signatários. Era português e solteiro – para doar o terreno de sua propriedade a fim de constituir o Patrimônio da Capella do Desterro, construída por ele, teve que levar à Villa de Mariana (sede da Diocese na época), moradores de Passatempo (localidade mais próxima), para provarem que ele não possuía descendentes. O Templo, abençoado em 1754, está de pé, firme até hoje. Já o casarão-sede de sua Fazenda às margens do Rio Boa Vista foi recentemente demolido por um empresário predador de Belo Horizonte (fato por mim denunciado em artigo publicado numa revista da cidade de Cláudio, com o título calcado no título de um romance de Lúcio Cardoso:”A Crônica da Casa Assassinada”. Mais Antigamente. A maioria dos brasileiros descendem dos colonizadores portugueses que vinham em grupos desde o descobrimento em 1500 até a Libertação em 1822. Eles chegavam,acasalavam, procriavam, cruzando e verticalizando incontáveis descendências. As linhagens verticais logo horizontalizavam-se: Os Barretos com os Tavares, os Guimarães com os Castros, os Sousas com os Teixeiras, os Amarais com os Amorins, os Tostes com os Resendes, os Medeiros comos Valles e os Laras e tantas outras linhas pontilhadas e assimétricas. Da transplantação da cultura européia para uma tropical (como escreveu Sérgio Buarque de Hollanda em”Raízes do Brasil”), resultou na vivência do ser humano em terra de exílio, no brasileiro que foi adentrando o longo território então em estado de pura natureza – e em todo lugar que parava para descansar e amar erguia logo um punhado de casas e uma Capelinha que espontaneamente batizava como belo nome de Nossa senhora do Desterro, para evocar e exprimir a saudade da terra natal (que ficou lá na Europa) e o sentimento de degredo, perdurável no entrar e sair dos anos e séculos. Pois não era assim que Euclides da Cunha via o brasileiro como um estrangeiro pisando terras brasileiras? Carlos Drummond de Andrade duvidava da existência do brasileiro,pois, segundo ele, “o nosso Brasil é no outro mundo” Dos índios ficou muito em nós, só que mais em quantidade de genes do que de cultura. Resistente à escravidão que o colonizador impunha, eles não puderam transmitir-nos sua cultura. A nossa herança cultural é mais afro-européia, o que está ainda hoje visível no corpo e na alma de todos. Um estrangeiro na própria terra? Isso mesmo! A nódoa ancestral de uma cultura transplantada, mesmo depois de solidificada, não se apaga, nem que passem muitos séculos. À propósito, vale citar Mircea Eliade: “Os povos, dos mais primitivos aos civilizados, fazem uso da recitação do mito cosmogônico como um método terapêutico. Podemos facilmente ver porquê: fazendo o paciente voltar simbolicamente ao passado, ele passa a ser contemporâneo da criação, ele vive novamente a plenitude do ser”.
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