NA CAPADÓCIA
À filha Ana Paula e ao genro Guilherme.
A natureza escavou e burilou os maciços rochosos e a população aproveitou o começo da instauração de uma arte ínsita e cinzelou o solo vulcânico, para toda espécie de serventia. O resultado é a maravilha que impressiona o visitante pelo arranjo formal da comunhão de dois esforços, o da natureza e o da mão humana.
Na antiguidade a região foi ocupada por populações diversificadas (em incontáveis cidades, hoje soterradas): os hititas, os frígios, os lídios, os macedônios, os romanos e os cristãos. As cidades subterrâneas, construídas sob o tufo vulcânico, são hoje designadas como a oitava maravilha do mundo.
Não apresentam decorações, o que dificulta o estudo dos historiadores. Foram escavadas no tufo e atingem até 8 a 9 andares de profundidade, com seus labirintos e túneis, chaminés de ventilação, salas, corredores, casas com oficinas de produção vinícula, dormitórios, refeitórios, igrejas. Mas ainda não se sabe onde foi depositada a terra retirada ao longo das construções – nem o tempo levado de tão articulado empreendimento.
Os dias pretéritos e os do porvir
esplendem e fenecem ao belo prazer
de nossa vontade inconstante e autônoma:
vão às gabirobas da infância rural, aos apocalipses da senilidade planetária,
com a mesma negligência e argúcia inequívocas
no meio da noite
e em qualquer parte do dia por assim dizer paranóico?
Pouco antes da morte terrena, o súbito vulcão
varreu os arredores da Capadócia, erigiu os arcanos
de suas atuais cidades subterrâneas.
Muito depois da vida assim alquebrada, o território
se refez nos tufos resultantes.
Mas então:
cadê as frutas e os cereais, as bênçãos do céu chuvoso,
iluminado e iluminador?
Agora aqui só jaz a terra das areias ardentes e não mais
a das coivaras acariciantes?
Mas então:
aos poucos a terra vai rebrotar as sumidas sementes,
sob o rompante musical dos grilos do amanhecer
de uma nova era?
Aqui o Imperador Constantino e sua mãe Helena
teriam encontrado a cruz do sacrifício cristão,
e também o afresco de São Onofre
(que nos sessenta anos de vida no deserto
teria até mesmo mudado de sexo).
Aqui na abside da Igreja da Maçã vislumbra-se nos titubeios
da algaravia:
os três hebreus na fornalha, a filha de Jairo
a hospitalidade de Hibrahim
a Natividade
a trindade Jesus-Maria-José
o chamamento dos discípulos, o Arcanjo São Miguel
a Comunhão e a Transfiguração
a descida do túmulo aos limbos
a ressurreição de Lázaro
a ascensão de Jesus, a glória do pai, do filho e do espírito santo.
A aura da espiritualidade.
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