FILMES E VERSOS
Feminismo Versus Machismo. Vejo, embevecido, na tela do vídeo o preto e branco mais colorido das ruas no crepúsculo efervescente das pessoas voltando para casa, enquanto desviando-se do bulício congestionado de uma grande cidade, Judy Holliday tenta camuflar a arma de fogo com a qual pretende matar seu marido adúltero Tom Ewell. Sinto e comprovo que as cores dos seres vivos são sempre firmes, consistentes. A música de Cole Porter é o complemento virtuoso: é de um músico que nasceu e viveu inspirado: bastava dar-lhe o tema e a dica, que logo a beleza melodiosa jorrava, triunfava. Canções que transbordam do fílmico enredo, impregnando o ambiente de uma aura de excepcionais significados. Spencer Tracy e Khatarine Hepburn formaram um dos casais mais emblemáticos e conhecidos da filmografia da década de 50. Ele, o tipo machão; ela, a feminina feminista. Simbolizam a diferença tradicional dos dois sexos? Diferença pequena, eles concluem, depois da acalorada discussão na parte final da fita. Mas, entre risos e abraços e beijos, eles chegam ao apoteótico final, repetindo a legenda francesa: “os dois sexos são diferentes, mas...Viva a Diferença!”. Mártir e Mesmo Assim Lírica. Comecei a ver um filme na TV depois de iniciada a projeção, de modo que nem captei o título. “Meu nome é Cora e sou ruiva”, a enfermeira estava dizendo ao acidentado que ficou cego num incêndio do navio em alto mar. Ela é bela e pudica, tão pudica que não se desnuda nem no banheiro, nem na cama, mesmo sabendo que a única testemunha é o paciente cego. Fria como a cinza do fogo mortal do estupro (que depois ficamos sabendo que ela sofreu seguidamente durante anos e anos como prisioneira de guerra), ela ostenta o canto do lábio inferior do lado esquerdo da boca bem mais gordinho do que o do lado direito. Por que? Através de lances e de indiretas ficamos sabendo que o cego sente muita vontade de beijá-la e de conhecer a vida dela, que ela tanto esconde, tão intrigante e solícita e cuidadosa ela é, ajudando-o em tudo, inclusive em cumprir suas necessidades fisiológicas. “Seus pêlos pubianos vermelhos”, o cego imagina e diz (em off) em seu respeitoso comedimento. Assim ela permanece no interior do navio abalroado, fazendo-se de surda e muda, nem sozinha nem acompanhada, assim displicente, destemida e à vontade entre os membros masculinos da tripulação. Depois, no final, já em terra firme, quando o cego recupera a visão – e a procura até encontrá-la, fugindo de tudo e de si mesma, num terreno baldio e deserto. Aí então o diálogo entre os dois deslancha. Ele a quer em sua vida, ela nega, argumentando que não pode repartir com ninguém sua desmedida infelicidade, que vem de um passado sombrio, carregando o peso de um sentimento de vergonha, que é maior do que o da dor. Alega que uma enchente de lágrimas vai inundar seu rosto toda vez que ressentir que a vergonha é maior do que a dor da recarga das horrendas lembranças do passado. “Quando a enchente inundar-me o rosto, a cama, a casa, o bairro, a cidade, o país, o mundo:... o que faremos soterrados no sal das infinitas lágrimas de minha eterna e tão palpável tragédia?” Assim ela define sua negativa. ele não se contém: nesse momento abraça-a com força, beija-a freneticamente, dizendo: “Eu sei nadar muito bem – e ensino a você a nadar também”. Aí a câmera distancia, enquanto de novos abraços eles alcançam os novos beijos da reciprocidade amorosa, finalmente encontrada pelos dois sobreviventes de uma guerra estúpida e bestial. Nas Profundezas do Bosque (*). A realidade de hoje pode ser uma lenda amanhã? Quando os olhos de duas pessoas (que foram feitas uma para a outra) se encontram, ambas estremecem?. O gato é o gato e também é o bichinho empertigado, maravilhoso. Somos iguais a ele nas objeções e nas necessidades, temos os mesmos desejos e temores, os mesmos sentidos e os mesmos destinos: uns mais aproximados, outros mais distanciados. Esmiuçar as miudezas (a de uma montanha, a de um grão de areia) e depois inverter o propósito: ir de um cisquinho no terreiro da casa ao montão de lixo no terreno baldio. Tudo é grande e pequeno, simultaneamente? Gaiato e formoso de um momento para outro? A fundura já foi rasa alguma vez? Se a árvore não precisa caminhar por que tem a perna tão bela e firme? Se Deus existisse como dizem que existe, ele não protegeria os homens, as aves e os bichos, os vegetais e os animais, constantemente? Não cochicharia em nossos ouvidos suas epifanias, doutrinas e bizarrias, pelo menos de vez em quando?
(*) Considerações em torno da leitura do livro (fábula? Romance?) “De repente, nas profundezas do bosque”, de Amós Oz.
1 Comments:
Sempre venho e me surpreendo, aprendo. Mestre, da montanha ao quintal, há um vale ou um abismo? Marilda Mendes.
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