domingo, março 22, 2009

MUDANÇA CLIMÁTICA

À Inês Belém Barreto. 

Nossa casa tem um quintal desprendido de uma antiga gravura rural, revestido de trinta e tantas árvores miúdas e parrudas, frutíferas e decorativas, algumas finas e torcidas, outras de largas braçadas nos troncos cascudos. Dezenas de galhos pendidos nos altos e nas copas. Um capricho saudosista? Uma reserva ecológica? Uma ninhada de clorofilas, um gancho de fotossíntese? Fico abismado de ver, fico saudável de aurir os ares purificados, atento aos meneios sedutores da reduzida natureza, ali compreendida, de tempos e espaços tão predadores como os nossos, refeitos de outras refregas nos urbanos perímetros, além desta casa onde vive o melhor de minha pessoa. É uma ilha, uma ilha verdejada em pleno centro da cidade de pétrea e de férrea pavimentação, de adensados metanos e carbonos, de emendados arranha-céus de cimento-armado. Todavia, para contemporizar o abafamento o nosso quintal celebra a infinda festa das estações, abrindo a plumagem e o canto e o vôo dos pássaros (rolinhas, sabiás, bentevis, pardais e pombas) e o silêncio e o mourejar das minhocas e borboletas, das formigas e aranhas e abelhas e tanajuras e os sapos de cócoras a sugarem os espinhentos pernilongos.... Porém, na segunda quinzena deste mês de março de 2009, ocorre uma mudança de cheiro, de cor e de som nas dimensões do cenário em pauta antes tão musical. Isso acontece depois da ocorrência dos vendavais de fevereiro (as chuvas e as trovoadas, os raios e a ventania, as enchentes de água barrenta, os desabamentos, o diabo a quatro nas partes baixas da cidade). Os pássaros sumiram. Os pássaros sumiram. Estou agora bobo de ver o silêncio reinante no retângulo até então buliçoso e cantante. Por que sumiram? Mistério. Mistério. Agora quero dizer que é, que é de cortar o coração, que é de cortar o coração ver a tristeza nas mangueiras, e tanto silêncio nas jabuticabeiras, e tanta desolação nos pés dos Mimos de Vênus. Quando eles voltarão? Quando voltarão para de novo alegrarem o meio-ambiente e saudarem o nosso dia-a-dia?

1 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Águas de março: "São as águas de março fechando o verão". Águas e ventos.

3:48 PM  

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