segunda-feira, agosto 29, 2005

23 - FELIZES, OS NORMAIS (*)

Só os normais, estranhos seres, são felizes
Não sofreram mãe demente, pai alcólatra, filho transviado
Não amargaram a casa dos outros
Não choraram uma doença incurável.

Esbanjando roupas e sapatos, eles
Vivem os inumeráveis rostos da alegria
Atravessam crises e epidemias incólumes
Eles que nasceram com a bunda para a lua.

Eles de carro-esporte e elas de fio-dental
São amados e copiados dos pés à cabeça:
Altos-funcionários, se querem um emprego,
Elegantes-pleibóis, se não querem.
São felizes como os estrumes e os chafarizes.

Que assim seja até não mais poder!
Mas que não estorvem os criadores de moradias
Os faladores de sonhos e sinfonias
Mas que não barrem a passagem dos que são mais loucos
Do que as mães, mais bêbados do que os pais
E mais transviados do que os filhos.
E que a esses réprobos devorados de paixões
Deixem ao menos um lugar no inferno.
É o quanto basta.

(*) Paráfrase de um poema de Roberto Fernandez Retamar, tradução de Marco Antônio Guimarães, publicado no jornal literário AGORA, emDivinópolis, MG, l968.