terça-feira, novembro 22, 2005

O CLÁSSICO E A VANGUARDA NA LITERATURA

É claro que hoje as expressões concretismo, neo-concretismo, poema-praxis, poema-processo e quejandas estão desusadas, quase obsoletas, remetendo ao lugar comum de coisa datada, mesmo considerando que qualquer coisa que tenha um referencial passadista é gratuitamente taxada de datada. E na verdade só mesmo o que não sucumbe ao rolar dos anos e eras é que se sobrepõe ao circuito da temporalidade e dispensa o passado e o futuro porque é sempre coisa presente. Muitas e grandes obras de arte são assim eternamente atuais – e também algumas idéias, imagens e pessoas transcendem as respectivas datas de irrompimento e fixam-se no calendário como os ritos de passagem, que se deixam passar mas que em si mesmo não passam na turbilhonante imensidão do tempo. Por mais chamativo e gracioso que seja o arranjo das vogais e consoantes sem as palavras consecutivas e ordenadas na folha de papel, nunca substituirão a imagem pictórica da arte plástica, que vai mais diretamente ao assunto visado, sem os rodeios simbólicos do visualismo artificioso. Lembro-me que uma vez, quando um poeta concretista do Suplemento Literário do Minas (de BH) disse ao então poeta discursivo AdãoVentura que a palavra tinha morrido, recebeu em resposta do último o pedido: “você me dá então sua máquina de escrever?” É certo que a evolução dos costumes nem sempre é programada e que a poesia brasileira tinha que transigir no envoltório do perpassar das etapas históricas que influi no comportamento das pessoas, resultando na naturalíssima sucessão de estilos e formas de expressão da angústia de viver num mundo regido pela batuta da interminável rotação das esferas cósmicas. É natural, pois, quês os chamados estilos de época reciclem seus objetivos, seguindo ou puxando a esteira das renovações comportamentais, adquirindo conotações e nomeações ocasionais sob o influxo de um pretendido avanço vanguardista. Assim transcorrem os ciclos: romantismo, naturalismo, parnasianismo, modernismo, concretismo, surrealismo,pós-modernismo..., tudo se encadeando no rol dos trâmites normais, com as naturais distorções e acertos: a infeliz prevalência influenciadora de Oswald sobre Mário de Andrade; os concretistas enviesando pelo desatino do poema-processo, optando assim pela facilidade dos apressados e não pela argúcia erudita dos Irmãos Campos e Outros igualmente aquinhoados. E tudo aconteceu como está registrado e contextualizado O que se quebrou diamante não era, como diria o sempre bem lembrado Drummond, autor que jamais será relegado ao passadismo, que criou seu estilo sem jamais abdicar do experimentalismo das formas. Outros bons exemplos de instigadores do assíduo experimentalismo não faltam. Ainda agora estamos novamente diante do incontentável e voluntarioso Ronaldo Werneck, novamente abrindo portas e janelas para tantas claridades inspirativas. Ele acaba de lançar em grande estilo o livro RONALDO REVISITA WERNECK SELVAGGIA , que surpreende Zuenir Ventura pela “polissemia, polivalência, politalento” de um habilidoso manejador de signos que ama a palavra a ponto de movê-la no espaço gráfico com a desenvoltura de mestre, reavivando-a no vai-e-vem das destinações e remetências, no arranjo visual do cine-poema de seus artifícios por assim dizer instintivos. Uma boa reviviscência para todos. Bem haja, pois. A CRISE: DOIS PONTOS A atual crise política ilustra a tese de que o sonho da oposição é tornar-se situação, mesmo que para realizá-la tenha que repetir o comportamento que sempre combateu. Assim é que configura o dito popular de que o sujo critica o mal lavado? Se o disparo das setas não destruir o alvo, ele vai apenas alimentá-lo e robustece- lo. Assim acontece com o malogrado petismo ao trocar as cebolas mal cheirosas de uma doença (incurável?). Todas as tentativas de acabar com o capitalismo (feudalismo, totalitarismo ou o que outro nomes tenha} só serviram para fortalecê-lo. Toda vez que uma nova ideologia se levantava para defrontá-lo, logo ele a absorvia, digeria, expurgava o que considerava excrescência e assimilava as essências.É mais ou menos isso o que o antropólogo David Graeber diz, repetindo uma frase feita da patota do PASQUIM na sua bela e renhida luta contra o reacionarismo sistêmico da classe dirigente: o projétil que não destrói o alvo, alimenta-o.