domingo, fevereiro 19, 2006

DOIS PATINHOS NA LAGOA I - Contos

Fragmentos do conto “A Maçã Está Bichada?”. 

Quem está levando o mundo para o buraco negro?, pergunta o goleiro Batatais, na varanda descoberta da piscina olímpica do Automóvel Clube. Ninguém presta atenção nas palavras e nos pensamentos de ninguém. Todos só tem bocas para comer e beber e olhos para ver e comer a semi-nudez das mulheres na orla branca da piscina esverdeada. A população do mundo, nesta altura dos acontecimentos, diz o becaço Píndaro, se reparte em dois blocos: o dos exibicionistas e o dos apreciadores. Eu, que já bebi muita cachaça, agora só bebo fio-dental. E você?, você mais parece um besouro a fazer brrrrr!, sem morder, sem engolir, diz, gozando, o lateral direito Biguá, que não deixa passar nem pensamento no seu campo de ação. A área da piscina é o cenário exibicionista das mulheres, ´principalmente das boazudas. Exibicionismo da sensualidade? Nem tanto. “Preferia vê-las num vestido longo no salão de festas lá mais em cima”, diz o Paulo Florêncio, capitão do time dos Casados. “Nem o fio dental daquela morena me levanta o ânimo..., aliás sou capaz de apostar se meio desta homaria toda tem ao menos um de pau duro vendo esse quase-nudismo da mulherada. Ninguém bolacha..., mas é só chegar lá fora, na rua, que qualquer uma delas, até a mais feia, que suspender a barra da saia ou mesmo rebolar um pouco com a calça esporte cavada, ah basta isso para pôr todo mundo em polvorosa”. Eu também preferia que o mundo acabasse em mulheres, camas e cortinados, numa penumbra de música em surdina. O corpo feminino tem muita semelhança e muita diferença de mulher para mulher, do bom para o melhor. Afinal o que qualquer homem precisa mais nesta vida? De uma mulher, é claro! Ninguém precisou mais de uma do que Dante; ninguém precisou mais de muitas do que Aragon. Mas acontece que elas estão saindo muito mais do que chegando. A cada instante é mais uma que some de nossas pretensões. Onde se metem na invisibilidade? Mas, olhem, lá estão as que nadam nos invisíveis rios de João Cabral de Mello Neto. O sorriso daquela do meio (entre as outras naquela roda) é uma imagem de amor a emergir da água, como diria o romancista José Saramago. Elas são mais iluminadas depois da meia-noite, no escuro do jardim vitoriano de Shakespeare. Por falar no bardo dos bardos,o erotismo mais antigo é o mesmo de sempre? Era preciso, naquela época, fechar a porta e apagar a luz? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. A permissividade marcou época nos tempos primitivos, penso, ao lembrar-me dos obscenos (obscenos?) desenhos parietais nas grutas do Levante Espanhol. Foi reprimida em alguns períodos dos tempos bíblicos, ressurgiu na decadência do império romano, foi novamente amordaçada na Idade Média e agora ressurge nas praias e piscinas, na tevê, no cinema, no teatro, nas mansões afrodisíacas da economia e da política. A permissividade é um pão barato e gostoso, um evento de êxito fugaz? Alguém que ouvia meus pensamentos fala das pernas de Ingrid Bergman e de Tippy Hendren, nunca mostradas ao público nos filmes. Ver não é tudo, ele mesmo responde: o melhor é imaginar. “Mas em compensação”, diz outro cinéfilo da roda, “as filhas delas mostram não só as pernas, mas todas as partes íntimas e profundas”. No tempo de Ingrid e de Tippy a maçã do paraíso não dava AIDS, - prossegue o pensamento rumo a nenhuma parte. Hoje o médico tem boa desculpa para encobrir a antiga ignorância, basta dizer que você sofre de baixa resistência imunológica. Ái de nós, pilheria o rapaz que só pensa e fala em ritmo de roque. Que assunto mais triste, uma das moças reclama. O que há?, rebate outro mesário: eu era bi, fui à tri, voltei a hetero..., mas o que toda mudança adiantou? A..., como se chama mesmo?, a síndrome da imunodeficiência adquirida não escolhe as vítimas, até mesmo uma pobre e inocente criança pode ser colhida. Não é de amargar? não é o frankestein clip-clip que ataca novamente? Santo Agostinho achava que o Diabo era igual a um cão amarrado, que só nos pega se invadirmos seu raio de ação. Mas agora parece que o raio de ação Dele não tem limites, a corda que o amarra é elástica. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . A astúcia no momento é a habilidade, é o recurso de me livrar das serpentes com as maçãs na boca, diz o Ademir da Guia, ponta de lança do time dos Solteiros, que acrescenta: e de me livrar, igualmente, das magníficas sereias com os belos cantos de suas curvas em meus moucos ouvidos, em meus loucos olhos.” Se cair em tentação, recomponha-se logo!”, - ouvimos a voz certeira, vindo do mais alto dos céus. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Na Inglaterra vitoriana as moças não podiam usar sapatos de verniz para que ninguém visse suas roupas de baixo nos reflexos. Quando eu era criança na minha terra, colocávamos espelhinhos de bolso no chão ou no soalho, onde as moças estivessem, na esperança de flagrar ao menos uma nesguinha do lance instigador de suas íntimas belezas. “Mas esse nudismo aí não me dá o menor tesão”, queixa-se o Barbatana, que se gaba de bimbar cinco vezes por noite, quando o tesão lhe dá na telha. “Cinco vezes?”, duvida o Negrinhão, tremendo gozador, “só se for quatro tentativas e uma desistência”. As cores neutras não interferem nas outras cores (a euzébia procura mudar de assunto, falando ao euzébio). Os tons que precedem são os mesmos que complementam, - ela acrescenta. Os teus braços são ponteiros de relógio, canta Orestes Barbosa, em outro tom, noutro lugar. Está na hora de ir pra cama, Fiona?, alguém lembra de ter ouvido. ela se chama Fiona? , ela quem?, alguém pergunta. A conversação enrola na mesa enorme. As palavras perdem o sentido lógico? O vale da rosa entre as duas montanhas...o que contradiz, empurra..., supérfluo ontem é essencial hoje... a mulher de Astúrias quer ter asas aos domingos. Quê patuscada é essa leréia aí? tem nego bebo aí? É o espírito que faz que um corpo ame outro corpo, ora essa, é o que sempre afirmo, e vocês não atentam! oh santo pecado da necessidade do prazer que o corpo tem! ela se chama Fiona? sabe deixar qualquer um em coma? quem aí já pegou ao menos uma das cores do arco-iris? Primeiro, o corpo é a rosa, depois a fruta: (ah o que não ouvimos na mesa de um bar!...). Primeiro deve ser amado, depois comido (se não comemos, a terra come): ...mas agora, como comer como comer a maçã se ela está bichada sob o plástico?

1 Comments:

Anonymous Anônimo said...

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