terça-feira, março 28, 2006

A CAYETANA DE GOYA SEGUNDO SAURA

A fantasia desprendida da razão produz monstros, unida a ela é a mãe das artes e a origem das maravilhas, isso ele aos 80 diz à filha de 14, na casa em Burdeus submersa em trevas, que era um promissor museu de duendes e caprichos. As cores violentas e distorcidas nasciam de lúcidos pesadelos nos sótãos e porões da miopia e da surdez dele em si e de nós em nós. Devorado pelos monstros que criou nas paredes da própria casa, as cores fortes para o bem e para o mal, onde o branco ausente é negro e vermelho e lembrança febril das padiolas ao lado das covas rasas dos vivos que já morreram, dos mortos que ainda vivem – ele vive. E lá fora na vida, mesmo na bruma da corte e no purgatório do atelier a (ah!) a Cayetana é fogosa e risonha a Duquesa de Alba - toda ela uma manhã dentro da noite: as costas rachadas do pescoço ao períneo o frenesi em cada pincelada a cara de peitos a redondidade das maçãs o rosto afilado o pescoço fino os ombros arredondados e a bunda mais uma vez aristocrática os seios os seios (dois em muitos) - toda ela ali só dele, Goya inclinada no leito de rosas negras a boca de amor e vida incansável na sensualidade, frívola na sabedoria e na deslealdade?, finalmente envenenada pela ignorância e a corrupção e a calúnia deste mundo ímpio em certas ocasiões. Podia pintá-la de cór e salteado, ouvi-la mesmo na surdez extemporânea: cada cena emendada à outra cena é um esboço que se completa no painel da sucessão dos aperitivos e refeições da alma, os pormenores buliçosos na fatalidade explosiva para o bem e para o mal ah! não é à toa que as espanholas são lindas repletas de minuetos castanholas sapateados as vozes em corriolas e tamancas em água fresca ao nível do mar, perto do rio elas gostosas dos pés às cabeças os olhos que voltam para ver outros olhos no amor de dois de dois amores em quatro olhos o ponto mais alto da arte.