LAPINHA DE JESUS
De Lázaro Barreto e Adélia Prado – texto de Natal inspirado nas esculturas de um Presépio Brasileiro de Frei Tiago Kamps – Editora VOZES de Petrópolis (RJ), 1969.
Dois fragmentos de LB:
1 – O Belo Menino no Presépio.
Não estou levando presentes; estou trazendo.
Hoje todas as pessoas ganharam Dele, que veio
consolar os aflitos, libertar os cativos, recobrar
a vista dos cegos, emancipar os oprimidos, e
refazer as instituições e leis por meio da mudança
do ser humano.
As pastorinhas estão visitando os presépios
e as lapinhas; e além delas
os mocorongos, as folias de reis,
a zabumba e o turundum,
o carimbó e o marambiré,
os pastoris e as cheganças,
os fandangos e os quilombos,
os caboclinhos,
os bainanás e as taieiras,
o catopé dos negros,
os reis-de-boi e o maracatu,
o guaiano e o lundu,
os ternos-de-reis e as cantadeiras,
os cacumbis e os santos-reis,
a bernúncia e a jardineira
e o bumba-meu-boi:
é a festa no mundo inteiro do Brasil,
pois que
se posso levar, vou levar a Deus o meu
AMOR AO PRÓXIMO.
2 – Ecos do Vietnã
Estava aqui uma tapera,
uma perseguição de malefícios no chão
que se esburacava ou subia no ar
e depois revirava a vegetação
e trazia as nuvens para dentro da palhoça
e os tiros
e canhões para o céu aberto da batalha campal.
Até as árvores brigavam entre si, abrindo
fogo nos fantoches da noite em pleno dia.
Atrás da ex-linda armação das orquídeas
os olhos da morte camuflavam
estúpidos alvos,
disparando chumbos inflamados.
Eu me surpreendia com medo até de um besouro:
podia ser um veneno metálico.
E não raro,
quando um pássaro pousava ou uma fruta caía,
a nesga do chão espoucava, qual seco vulcão.
Encolhido no medo, escondido no oco
do pau-terra,
perguntava: por que essa guerrilha toda?
os homens que vem do norte e os que vem
do sul:
por que vem do norte e do sul?
Por que brigam assim como ex-rinocerontes?
Depois de tanto tempo, de repente...:
De repente a luz macia dá sumiço à dor de cabeça.
E numa luz de nova força
todo meu corpo se punge.
E os anjos começam a passar, endireitando o chão
e a relva, revirados; e as árvores, retorcidas.
Eu que apartava o gado, parei na porteira.
Não aparto mais, nunca mais.
E dizia o que ouvia e ouvia o que dizia:
“Venha o teu reino,
tua vontade seja feita na terra como no céu”.
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