terça-feira, março 07, 2006

LAPINHA DE JESUS

De Lázaro Barreto e Adélia Prado – texto de Natal inspirado nas esculturas de um Presépio Brasileiro de Frei Tiago Kamps – Editora VOZES de Petrópolis (RJ), 1969. 

Dois fragmentos de LB: 

1 – O Belo Menino no Presépio. Não estou levando presentes; estou trazendo. Hoje todas as pessoas ganharam Dele, que veio consolar os aflitos, libertar os cativos, recobrar a vista dos cegos, emancipar os oprimidos, e refazer as instituições e leis por meio da mudança do ser humano. As pastorinhas estão visitando os presépios e as lapinhas; e além delas os mocorongos, as folias de reis, a zabumba e o turundum, o carimbó e o marambiré, os pastoris e as cheganças, os fandangos e os quilombos, os caboclinhos, os bainanás e as taieiras, o catopé dos negros, os reis-de-boi e o maracatu, o guaiano e o lundu, os ternos-de-reis e as cantadeiras, os cacumbis e os santos-reis, a bernúncia e a jardineira e o bumba-meu-boi: é a festa no mundo inteiro do Brasil, pois que se posso levar, vou levar a Deus o meu AMOR AO PRÓXIMO. 

2 – Ecos do Vietnã Estava aqui uma tapera, uma perseguição de malefícios no chão que se esburacava ou subia no ar e depois revirava a vegetação e trazia as nuvens para dentro da palhoça e os tiros e canhões para o céu aberto da batalha campal. Até as árvores brigavam entre si, abrindo fogo nos fantoches da noite em pleno dia. Atrás da ex-linda armação das orquídeas os olhos da morte camuflavam estúpidos alvos, disparando chumbos inflamados. Eu me surpreendia com medo até de um besouro: podia ser um veneno metálico. E não raro, quando um pássaro pousava ou uma fruta caía, a nesga do chão espoucava, qual seco vulcão. Encolhido no medo, escondido no oco do pau-terra, perguntava: por que essa guerrilha toda? os homens que vem do norte e os que vem do sul: por que vem do norte e do sul? Por que brigam assim como ex-rinocerontes? Depois de tanto tempo, de repente...: De repente a luz macia dá sumiço à dor de cabeça. E numa luz de nova força todo meu corpo se punge. E os anjos começam a passar, endireitando o chão e a relva, revirados; e as árvores, retorcidas. Eu que apartava o gado, parei na porteira. Não aparto mais, nunca mais. E dizia o que ouvia e ouvia o que dizia: “Venha o teu reino, tua vontade seja feita na terra como no céu”.