SEIS PEÇAS TEATRAIS
Para serem lidas em vez de encenadas?
1 – O Fogo Corredor (escrita em 1978, inspirada na leitura do “Fausto”, de Goethe, e no testemunho de alguns acontecimentos do período do Golpe Militar de 1964. Inédita.
Fragmento (página 39):
Interlúdio no Inferno.
O cenário da caverna salpicada de sons e luzes estranhas. O Satanás preside a reunião com Tinhoso, Capeta, Mão Furada, Coisa Ruim e Furricoco.
SATANÁS (à platéia): É nosso costume, aqui nas profundezas, no final de cada empreitada, reunir os chefes legionários, para uma breve prestação de contas, acompanhada de sugestões para o exercício entrante. Muitos chefes setoriais costumam chegar aqui no Porão com as mãos vazias, o coração exangue, os olhos afogueados. Na maioria das vezes, no entanto,o saldo é positivo – e assim o vulto dos negócios, a capitalização dos bens, a margem dos lucros, tudo corre a nosso favor, de forma que o nosso patrimônio cresce em quantidade e qualidade. Isso para quem começou do nada, é um resultado exultante, um feito glorioso. Se ao cabo de mais alguns lustros o nosso superávit for da mesma ordem, posso dizer que ninguém nos segurará mais. A possessão do mundo será líquida e certa, como esta escuridão que nos ilumina.
CAPETA: No meu setor de atividade funcional, especificamente...
SATANÁS (cortando): Espero que sejam lacônicos e objetivos e nada do nhenhenhem
neo-liberal. Não temos tempo a perder. Muita gente nos espera em toda parte. O Inferno não pode parar!
CAPETA: Baixei o cacête sem dó nem piedade, se é isso que quer saber. Em todos que desafiavam a ordem estabelecida. E foi mole-mole. O pessoal é fraquinho: basta uma intimidação, uma notícia marota, que logo entrega o anel de couro. O povinho é esmirrado e apático, que fica de boca aberta esperando os nacos disso e daquilo que vem de cima. Às vezes até fico com dó de aplicar o castigo que eles já sofrem de antemão. Tem cabimento? É um povinho que tem medo do escuro, tem medo da luz,, tem medo até do patrão quebrar. Tem cabimento? Tinham lá uns duros na queda, mas com eles fui mais duro ainda, almoçando-os antes que me jantassem (lambe os beiços).
2 – O Reinado (escrita em 1976, como parte do romance “Monólogo e Pranto”). Inédita.
Inserida no contexto do romance. Desaconselhável fragmentar.
3 - Quem viu o ninho da égua? – comédia que teve um dos atos encenado no Theatron, em Divinópolis, em 1988. Inédita em sua inteireza.
Fragmento: página 2.
Primeiro Ato: A PRAÇA.
O cenário tem que ser amplo ou pelo menos dar essa impressão. Deve comportar, em sua dimensão semi-circular, a passarela dos namoradores (também conhecida como “avenida”, “vai-e-vem”, “foothing”), que servirá, também, de passarela das pessoas comuns; alguns bancos para descanso e lazer das pessoas do povo; e a plataforma acústica que ocupará, quando acionada na encenação, parte da passarela e o fundo semi-circular do palco. Quando a cortina abrir, o foco principal de luz incidirá sobre um cartaz imenso e legível, no alto da plataforma, ostentando os dizeres:
“O Presidente João Figueiredo
participou com o
deputado Magalhães Pinto
num comício em Juiz de Fora
quando ele disse ao povo
votem nele: é deste
grande homem que vocês precisam
para governador e o povo feliz da vida gritava viva o
deputado Magalhães Pinto
que é amigo leal do presidente João Figueiredo!
(a parte sublimada deve ser impressa no cartaz em outra cor, para acentuar a distinção das leituras). Um coro de três pessoas representam a adaptação da canção folclórica “A Velha a Fiar”, através de cantos ou declamação e o acompanhamento discreto de pandeiro, tambor e reco-reco.
4 - Aqui Neste Desterro (escrita em 1994 – inédita)
Fragmento: páginas 56 e 57).
João José (surgindo do escuro para a claridade, que vai esmaecendo até que apenas um pouco de luz paire sobre o rosto dele): Não foi nenhum veneno que a matou..., foi o meu amor. Amei-a com tanta força nos caminhos e nas horas da noite, que ela não agüentou...Apertei tanto seu coração.... Não sabia que o meu coração podia ser tão violento, que podia atravessar as pausas da melodia. Como poderia ter dosado a sofreguidão do carinho? Quando vi, ela já sufocava nos braços do prazer, perdia a fala no transe, sentia câimbra no abdomen e nas virilhas, ria e chorava sem parar. de repente eu não sabia o que fazer, o que desfazer. Fui aos poucos abrandando minha febre, esfriando minhas palavras, sossegando minhas mãos. Assim aos poucos ela foi serenando, foi serenando até dormir. Acionei todos os silêncios da casa, apaguei as lamparinas e lampiões, tomei um banho de água fria, serenei meus pulsos e minhas artérias, abandei a cabeça com a toalha molhada do sono que já tinha bafejado as serenadas feições de minha doce amada. O sono que no momento de trégua eu não sabia que era para sempre. Assim dormi ao lado dela, ao lado do sono eterno dela. E quando o sol despontou nas grimpas dos laranjais do quintal, só eu acordei na vida deste mundo. Ela continuou dormindo. (A réstia de luz que atingia seu rosto, desaparece).
5 – Quem Matou o Filho da Onça? (comédia infantil, encenada no Theatron, Divinópolis, em 30/11/1998, sob a direção de Oswaldo André)
Fragmento (*) página 2:
Macaco (em tom declamatório):
Não sei de onde partiu
o boato que corre por aí
que o homem descende do macaco,
besteira igual eu nunca vi.
Não tem o que fazer
quem espalha tal pilhéria.
Quando foi que um de nós deixou
a mulher e o filho na miséria?
(os outros personagens vão chegando em silêncio e em silêncio fazem uma roda vida, movente, de mãos dadas, em torno do Macaco, que continua declamando)
Quem já ouviu falar de um macaco
que escondesse o coco dos irmãos?
Quem já ouviu falar de um macaco
que dá o tapa e esconde as mãos?
Outra coisa que nenhum de nós faria:
sair de casa para de álcool se encharcar.
Ou usar a arma de ferro ou de fogo
para a vida de outro macaco tirar.
O homem descende de seus avós.
Nunca, nunca descendeu de nós!
(paráfrase de um poema folclórico norte-americano).
6 – Na Fila da Vida (reaproveitamento de uma idéia de Adélia Prado, antes aproveitada no texto “O Clarão”, que ela produziu e dirigiu, com texto de ambos, na década de 70, em Divinópolis e outras cidades do centro-oeste de Minas). Inédita na atual versão.
Fragmento (páginas 52 e 53): Seqüência da cena anterior na praça imaginária da cidade também imaginária do Espírito Santo, Minas Gerais. Ao escurecer. Maria e José permanecem sentados num dos bancos, tomando fôlego antes de providenciarem a pousada.
José: Você deve estar pondo a alma pela boca de tão cansada.
Maria: Eu? Sou bem capaz de continuar andando noite adentro até chegar em Catiara. (alisa o abdômen).É como se tivesse quatro pernas para caminhar, quatro braços para cortar os ares.
José (reparando o movimento urbano): Conhece Rei João, Maria?
Maria: Não, não. Só conheço os arraiais velho e novo. (pensa) Se papai não tivesse ido tão cedo..., ele tinha prometido levar mamãe e eu em Belo Horizonte, na ocasião da Feira Permanente de Amostras.
José: Conheço outros lugares perto daqui, mas a Capital não. Se não está mais cansada, vamos, então, procurar a tal pensão?
Maria (observando o homem que estava em outro banco aproximar deles): Esse aí, Zé, não dá trela não (abre a Bíblia e começa a ler em voz alta as palavras de Jeremias: “O senhor vai castigar os pastores que não tomaram conta de suas ovelhas. Ele reunirá as que não se dispersaram e as fará voltar a seus campos, onde se reproduzirão e multiplicarão. E na boa onda dos novos dias o Senhor fará nascer um descendente de David, que reinará na sabedoria, na justiça e na retidão de toda terra abençoada”).
Homem da Cidade(depois de ouvir a leitura dela): Vocês são batistas, evangélicos?
José: Somos católicos, na graça de Deus, dos santos e dos apóstolos.
Homem da Cidade (agachando-se perto deles) De onde estava (aponta o outro banco) apreciava vocês dois aí nessa bela união, ela em estado interessante... Estão meio perdidos na cidade? Quem sabe posso ajudá-los em alguma coisa?
José: Acabamos de chegar do Arraial Novo. Estamos descansando um pouco. Depois vamos procurar uma pensão para pernoitar.
Homem da cidade (tentando sentar-se na ponta do banco,ao lado de José, que arreda um pouco, pondo a sacola no colo): Sou daqui e gosto de ajudar os forasteiros. Vocês irão pra onde, depois?
(Além das peças mencionadas, LB participou , em parceria com Adélia Prado,
das peças “O Clarão” e “Três Horas de Trevas”, encenadas em Divinópolis, e “Lapinha de Jesus”, encenada no Rio de Janeiro, por Luzia Fonseca).
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