quinta-feira, março 16, 2006

HISTÓRIA DE ARCOS

Livro publicado em 1992. Fragmentos Páginas 86 até 88 (sobre o papel da mulher na comunidade): 

A colonização de um continente, de um país, de um estado, ou até mesmo de uma região, tem sempre uma história violenta. O colonizador tem uma missão a cumprir, custe o que custar. A empreitada inicial é abrir caminhos e criar condições existenciais de uma horda de adventícios, que logo instauram no meio geográfico o leque de novidades no campo biológico, na esfera religiosa, na ideologia econômica e na norma moral. A novidade é imposta sem pestanejar, a ferro e fogo, doa a quem doer. Esse papel pioneiro só pode ser desempenhado por homens fortes, infensos aos escrúpulos e à sensibilidade, imbuídos da prevalência do componente trágico de sua natureza humana. Portadores de uma tecnologia mortífera que os tornam superiores aos nativos, os adventícios desbastam, cortam, matam e queimam as espécies minerais, vegetais e animais que aparentemente oferecem resistência física ou moral. Foi assim em toda América, do continente ao município. A mulher, por ter sido considerada a parte fraca, o sexo frágil, foi alijada do processo violento, não participou da centenária refrega colonizadora. Ela só vinha ocupar o território depois que o índio tinha sido eliminado, o lobo escorraçado, a mata derrubada, o ecossistema alterado. Nem mesmo longe, no sacrifício de Cristo , ela teve participação brutal. A natureza feminina tem muita susceptibilidade – uma leveza mais aérea que terrena-: a vulnerabilidade (para não dizer o temor e a fragilidade) percorre os poros, é intrínseca à dualidade de corpo-e-alma. Em comparação à avalanche de “heróis” na história da civilização, a presença de “heroínas” é bem minguada. Para cada dez césares romanos surge uma cleópatra egípcia. A própria Helena de Tróia foi mais objeto do que sujeito nas escaramuças homéricas. O matriarcado brasileiro, se é que existiu, é invisível, restringindo-se ao camarim, não assoma nem mesmo ao bastidor. As nossas Chicas da Silva, Joaquinas de Pompeu e Donas Bejas são estrelas excepcionais. Interpretam os primeiros papéis de muitas peças, mas nunca manejaram a espingarda, a espada, o facão. Na História de Arcos, no entanto, vemos, não raro, a mulher ser nomeada para função ordinariamente atribuída ao homem: não é apenas a professora, mas também a agente postal: a dona de casa às vezes dá lugar à fazendeira, ou seja , a dona da casa. E , lado a lado com o homem, desempenha airosamente as funções de Juíza de Direito, Promotora de Justiça, Prefeita Municipal, Vereadora, Presidente de Sindicato e Presidente da Câmara Municipal. Parece até que já vimos esse filme americano nos trâmites do feminismo: educada para ser esposa de médicos, engenheiros e políticos, elas se tornam de um dia para o outro em médicas, engenheiras e políticas. Só que aqui essa dualidade sexual se dá sem traumas, sem expectativas, sem decepções. A que podemos atribuir tal coexistência pacífica na voz de mando das direções domésticas e sociais? Só há uma explicação plausível: se a mulher arcoense ocupa funções no primeiro plano das ações sociais é porque o homem arcoense é menos machista do que o dos outros lugares. Mas isso é possível? Sabemos que o companheirismo e não a competitividade entre os dois sexos, na região, vem de longe, vem dos primórdios: as filhas de Ignácio Pamplona obtiveram as primeiras sesmarias e, ao que consta, nenhuma delas saiu pelos campos e matos a perseguir e matar índios e negros. Dos sete primeiros proprietários de sesmarias da região, quatro eram mulheres.Rosa, Simplícia, Theodósia e Bernardina, filhas de Ignácio Corrêa Palmplona ( vilão (delator) da Inconfidência Mineira), eram donas absolutas da maior e da melhor parte do território regional. Se não instituíram o matriarcado de rigidez feminista logo a partir de 1767 é porque naturalmente amenizavam a truculência do pai e de seus asseclas com a doçura peculiar da feminilidade da época. Saiu ganhando a cultura popular arcoense: em vez do mandonismo da linha machista na região, ao longo do tempo, tivermos uma classe dirigente que pontificou sem derrapar, sem cair no esbarrancado dos radicalismos. ............................................................................................................................ No século passado, duas mulheres com o mesmo nome de Anna (Anna Joaquina Alves Gondim e Anna Rodrigues Gondim, de velho tronco familiar do Tamanduá) possuíam e administravam o latifúndio da Fazenda Cristais. Em 1875, outra matrona, Carolina Maria Leopoldina, dá procuração a Antônio José Santiago e José Alves Mendonça para o procedimento de cobrança judicial contra Jerônimo Gonçalves Chaves. Em 1917 duas mulheres, Isaura de Souza e Maria Fernandes, fundaram e dirigiram o belo jornalzinho “Sorriso”, que era um mimo tipográfico, coisa mesmo de moça e mulher, todo esquadrinhado de adornos, redigido com sedutora discrição, chamativa elegância e irreprimível charme. Assim ele acalentava várias expectativas a cada vez que se editava: humorismo de salão, jogos pensamentais e verbais e sobretudo a reflexão de uma cultura refinada e feminina a vicejar como risonhas flores nos idos de 1917, quando a região arcoense ainda era confundida com os redutos do sertão. O doce pássaro da juventude cantava em suas páginas. Na edição de 12/08/1917, outro jornal , o “Echo” publicava uma lista de predicados exemplificados nas figuras femininas da sociedade local. Assim: “O exemplo de Belleza é Cecília Lara,, de Sympatia é Alice Magalhães Pinto, de Jovialidade é Marcília Fonseca, de robustez é Marianinha Magalhães Pinto, de Amabilidade é Laurinda Fonseca, de Bondade é Rosinha Álvares Gontijo, de Sinceridade é Joaninha Alvares Gontijo, de Inteligência é Maria Fernandes, de Candura é Odilla Guimarães de Albuquerque, de Ternura é Odette Guimarães de Albuquerque, de Urbanidade é Edith Andrade, de Loquacidade é Laurita Magalhães Pinto, de Expansibilidade é Gersony Verçosa, de Serenidade é Jovita Zica” Na seção de Perfis que o jornal publicava regularmente, esta jóia expressional a respeito de uma jovem que o escriba anônimo idolatrava na obscuridade: “ É clara, cabellos d’oiro, modestamente amarrados por um lacinho de fitas. Boca pequena, enriquecida pelo par de finos lábios porporinos, guarnecidos por duas colunas de delicados dentes de perola..., seu nome escreve com quatro consoantes e quatro vogais, sendo duas consoantes egemmadas”.

5 Comments:

Blogger BRUNO FANTONI said...

Olá Lázaro. Gostei muito do seu ponto de vista sobre as mulheres de Arcos. Me casei com uma arcoense que é neta da Dona Leopoldina Gontijo. Não sei se o Sr. chegou a conhecê-la, mas ela foi uma das professoras para os funcionários das fábricas em meiados de 1960. Estamos coletando algumas informações sobre ela como casos e fotos. Obrigado por registrar momentos tão importantes para a História de Arcos e do Brasil. Bruno Fantoni.

11:42 AM  
Anonymous Anônimo said...

odiei esta parte sobre arcos nesta cidade fudida

10:06 AM  
Anonymous Anônimo said...

odiei esta parte sobre arcos nesta cidade fudida

10:06 AM  
Blogger Glaucia Silva said...

Olá Lázaro, como faço para adquirir seu livro "A história de Arcos? Obrigada

6:32 PM  
Blogger Emerson Wander da Costa said...

Olá, poderia postar referencias bibliográficas, mais propriamente, referencias à documentos, fontes historiográficas e etc? Tais informações, para além de melhor e maior embasamento ao texto publicado,seriam bastante enriquecedoras para pessoas como eu e muitos outros e outras que se interessam pela memória e história regional/social/cultural/econômica e etc. Também quero adquirir vosso livro sobre a História de Arcos. Em primeiro lugar, nossos parabéns pelo que creio ser até pioneiro, aja vista que não tivemos (ou temos) pensadores sérios escrevendo sobre a História de Arcos; sejam sociólogos ou historiadores e, lamentavelmente, do pouco que busquei (na rede) estava absolutamente desvalido de referencial bibliográfico que proporcionasse aos jovens cientistas sociais e "historiadores", pesquisas outras à partir daquelas.
Att
Emerson

4:11 PM  

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