terça-feira, fevereiro 28, 2006

CORRESPONDÊNCIA ENTRE CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE E LÁZARO BARRETO

A primeira carta recebida dele é de 07/10/1963. A última foi em 11/08/1986. Toda a correspondência é constituída de: 11 cartas, 15 cartões e 8 poemas especiais, manuscritos. Ao todo 34 peças, sem falar nas que extraviaram numa exposição “cultural” promovida por um colégio da cidade, apesar de todo cuidado e prevenção de minha parte. Procurei o poeta através de uma carta em 1963,depois de ler, praticamente, os melhores autores em prosa e verso publicados no País. Procurei o poeta como quem procura a poesia: com a sede e a fome da verdade e da beleza da vida e do mundo. E ao longo de nossa amizade, por assim dizer epistolar, ele passou-me, como a todos seus leitores, a arte de procurar a poesia. Nas palavras dele: “Penetra surdamente no reino das palavras. Lá estão os poemas que esperam ser escritos. Estão paralisados, mas não há desespero, há calma e frescura na superfície intacta. Ei-los sós e mudos, em estado de dicionário. Convive com teus poemas, antes de escrevê-los. Tem paciência, se obscuros. Calma, se te provocam. Espera que cada um se realize e consume com seu poder de palavra e seu poder de silêncio. Não forces o poema a desprender-se do limbo. Não colha no chão o poema que se perdeu. Não adules o poema. Aceite-o como ele aceitará sua forma definitiva e concentrada no espaço. Chega mais perto e contempla as palavras. Cada uma tem mil faces secretas sob a face neutra e te pergunta, sem interesse pela resposta, pobre ou terrível que lhe deres: trouxeste a chave?” Assim ele me perguntava, assim a poesia pergunta a todo poeta. Em 14 de Março de 1983, ele escreveu-me: “Rio de Janeiro, 14 de Março de 1983. Meu caro Lázaro Barreto: Seu poema, que o SL do “Minas Gerais” publicou, penetrou fundo no coração deste octogenário. É das coisas mais belas e magnânimas que já recebi, sem tê-las merecido. A você, num abraço caloroso, o profundo agradecimento de Carlos Drummond de Andrade. A carta, manuscrita, como a maioria das que me mandou, refere-se ao poema que o Suplemento Literário do jornal “Minas Gerais” publicou, - que aqui transcrevo integralmente: OS FELIZES OITENT’ANOS - Lázaro Barreto Há quarenta mil anos que procurava Que procurava um livro, uma sombra, Que procurava em toda parte a cósmica alegria E a eterna lágrima Da dor que eu sentia como filho de Deus E enteado do Demônio. E foi num dia de chuva, numa praça de pedra, Que encontrei Carlos Drummond de Andrade, No município de Guanhães, fração do universo Mineireiro que ele canta. Encontrei O canto, o livro, a sombra. Há quarenta mil anos que sondava a gruta Do levante espanhol e da lagoa santa, Procurava o papiro, a tábua da lei, a canção Que encontrei nas portas abertas das montanhas De Minas e de Drummond. Li os poemas do homem falando com o homem, Senti o choque e o repouso, o fluxo Que me retém na faixa do silêncio revolucionário Onde cada palavra é um corpo que povoa o novo mundo. Encontrei retraídas fichas de identificação, Delicados meios e nuances de me comunicar Através de muros e de mares: Essa boa, farta e mansa, chuva de versos, Que semeia adeuses e caminhos. Há quarenta mil anos que procurava A sombra e o fogo dessa árvore Que agora me embala e me sacode.