DOIS POEMAS
1 – A Carga Hereditária (*) Quando pensar na História do Brasil não pense como descendente do colonizador não assuma nem negligencie o sentimento de culpa Depois de tanto tempo é possível que Deus já tenha lavado seu sangue, arejado sua psique Por que se martirizar na penitência daquela sangria desatada de um paraíso logo-logo transformado em inferno? Por que perpetuar tanta violência? Tenha consciência, ó filho mórbido da vida é mais salutar assumir a chaga do colonizado ser pentaneto do índio sem orelhas e sem bagos ser tetraneto do afro na senzala no pelourinho na canga Tenha consciência da realidade na travessia do milênio respire fundo, relaxe e olhe no espelho: não vê nele, renascido das cinzas do lixo da História o verdadeiro brasileiro?
(*) Escrito por ocasião dos 500 anos do Descobrimento.
2 – A Árvore dos Sonhos (*)
Um dia a árvore dos sonhos inopinados
desabou na cabeça de GTO (1)
que logo começou a vazar
o ouro das dívidas e das imaginações:
a dança dos ícones nas gravuras parietais
a agoniada prateleira dos ex-votos
o balaio das miniaturas e das ampliações
a escalação dos totens, manipansos e penitentes
a montanha devocional das tribos indígenas
as efígies serôdias de Assubarnipal e de Arariboia
os perfis enfiados dos heróis da história-pátria
os ritos de passagem dos velhos arraiais
a acrobática peleja grupal dos roceiros.
As entidades espirituais escorregam de suas mãos
em sombria, quase opaca luz dos transes
que anima os traços e relevos da matéria-prima
Assim
da fratura dos troncos avermelhados saltam
os guerreiros corporais das rodas e labirintos
as etnias as classes as mandalas os oroboros
os símbolos imemoriais de nossa caminhada
É assim que ele tenta regressar à pureza
que o quer, mais adiante, aqui e alhures.
Um dia depois os galhos e ramos da árvore
atávica
brotam em suas mãos primitivas e criadoras
Assim ele pode sacudir a sina, assim
ele expulsa os demônios do corpo
para não endoidecer
nas horas mais traumáticas de cada dia
Assim mergulhado na pureza das horas
ele fica sabendo
que não existe erro na face da terra
essa amplidão doméstica de pobres inocentes.
(*) Poema publicado no Suplemento Literário do “Minas Gerais” em 02/06/1973. Ele dá título e faz abertura de um filme de Carlos Augusto Calil e Lauro Escorel, de 1978.
(1) GTO: iniciais (como nome assumido) de Geraldo Teles de Oliveira, famoso escultor, primitivo e criador, enquanto viveu em Divinópolis (era natural de Itapecerica).
0 Comments:
Postar um comentário
<< Home