BARRA FUNDA - A EVAPORAÇÃO DOS PARADIGMAS
Fragmento do Romance inédito.
Página 265...:
A fúria das águas vem toda noite
acossa o balisamento rochoso da ombreira esquerda
dilata as trincas na crista da barragem
os espaldares incontidos a regurgitar na soleira dos vertedores
rebenta o desvario ao longo do eixo
os blocos de concreto bóiam como os bois espantosamente mortos
de Manuel Bandeira...
eu ia à pé nos caminhos e lá vinha outro borbotão:
a corrente elétrica dos enxurros
a cavar seus estirões nos declives, no mataréu
o roldão das trombadas a desancar os barrancos
depois o medo no céu aberto desce
desce o cavalo branco a cabeça os diademas
uma espada afiada a sair das bocas
a golpear as nações desacreditadas
cai o aguaceiro inundante, as pedras de saraivas
o fogo, o enxofre sobre as ditas nações
as pedras de saraivas de tamanhos mortíferos...
é assim que a água modela a terra...
o céu, fora do mundo, é a palmatória do mundo?
as torrentes a cobrirem as mais altas montanhas
avalanche bifurcada nas corredeiras, a zoar
o finquete dos troncos nas funduras
as raízes no ar, espumas na flor das margens
a reviravolta da montoeira a carregar alimárias
nada detém o estouro das fontes e represas:
toda fundura é uma fábrica de terremotos?
a ventania enxota os ids e egos vadios
Zacarias vem de outras páginas a dizer
os olhos e as línguas apodrecerão nas órbitas e nas bocas!
eu lia o pequeno apocalipse na cama de solteiro:
aquele que estava sentado no trono aparentava
a pedra sardônica de jaspe, circundado
pelo arco-íris recuperado de um fóssil:
depois eu ia num jipe de tração nas quatro rodas
os caminhos puídos esbarrancavam
a argila porosa de basalto liquefazia
as deformações longitudinais da crista
os cavalos selvagens refugavam, tragados
eu lamentava o retardamento dos recalques pós-construção
os efeitos tendenciosos de cada trinca
via em volta do trono vinte e quatro anciãos
são os vinte e quatro autores do velho testamento
todos de roupas brancas e coroas douradas
as sete lâmpadas ardentes os sete espíritos de Deus
e mesmo ali o mar de vidro fumega e derrama
os quatro animais cheios de olhos na fronte e na nuca:
um semelhante a leão, outro a novilho
o terceiro tem o rosto de gente, o quarto de águia...
agora eu seguia o vendaval de bimotor, acima do arvoredo
a ver em amplidão o movente lamaçal
(as festas pagãs de anos atrás, nas vias públicas?)
a chispa e a fumaça do frigir dos elementos
bichos nuca vistos surgem, para morrer no átimo...
nessa altura das águas nas encostas
os vinte e quatro anciãos prostram-se, confessáveis:
“chegou no furor o tempo de exterminar os exterminadores
da terra!”, assim eles exclamam
no alto do holocausto.
As águas represadas não acionam as turbinas?
não dão à luz energia e ao frio calor?
o colapso do portal do túnel, os vãos dilatados
...quem vai agora segurar o desmedido?
0 Comments:
Postar um comentário
<< Home