sexta-feira, fevereiro 24, 2006

BARRA FUNDA - A EVAPORAÇÃO DOS PARADIGMAS

Fragmento do Romance inédito.

Página 265...: A fúria das águas vem toda noite acossa o balisamento rochoso da ombreira esquerda dilata as trincas na crista da barragem os espaldares incontidos a regurgitar na soleira dos vertedores rebenta o desvario ao longo do eixo os blocos de concreto bóiam como os bois espantosamente mortos de Manuel Bandeira... eu ia à pé nos caminhos e lá vinha outro borbotão: a corrente elétrica dos enxurros a cavar seus estirões nos declives, no mataréu o roldão das trombadas a desancar os barrancos depois o medo no céu aberto desce desce o cavalo branco a cabeça os diademas uma espada afiada a sair das bocas a golpear as nações desacreditadas cai o aguaceiro inundante, as pedras de saraivas o fogo, o enxofre sobre as ditas nações as pedras de saraivas de tamanhos mortíferos... é assim que a água modela a terra... o céu, fora do mundo, é a palmatória do mundo? as torrentes a cobrirem as mais altas montanhas avalanche bifurcada nas corredeiras, a zoar o finquete dos troncos nas funduras as raízes no ar, espumas na flor das margens a reviravolta da montoeira a carregar alimárias nada detém o estouro das fontes e represas: toda fundura é uma fábrica de terremotos? a ventania enxota os ids e egos vadios Zacarias vem de outras páginas a dizer os olhos e as línguas apodrecerão nas órbitas e nas bocas! eu lia o pequeno apocalipse na cama de solteiro: aquele que estava sentado no trono aparentava a pedra sardônica de jaspe, circundado pelo arco-íris recuperado de um fóssil: depois eu ia num jipe de tração nas quatro rodas os caminhos puídos esbarrancavam a argila porosa de basalto liquefazia as deformações longitudinais da crista os cavalos selvagens refugavam, tragados eu lamentava o retardamento dos recalques pós-construção os efeitos tendenciosos de cada trinca via em volta do trono vinte e quatro anciãos são os vinte e quatro autores do velho testamento todos de roupas brancas e coroas douradas as sete lâmpadas ardentes os sete espíritos de Deus e mesmo ali o mar de vidro fumega e derrama os quatro animais cheios de olhos na fronte e na nuca: um semelhante a leão, outro a novilho o terceiro tem o rosto de gente, o quarto de águia... agora eu seguia o vendaval de bimotor, acima do arvoredo a ver em amplidão o movente lamaçal (as festas pagãs de anos atrás, nas vias públicas?) a chispa e a fumaça do frigir dos elementos bichos nuca vistos surgem, para morrer no átimo... nessa altura das águas nas encostas os vinte e quatro anciãos prostram-se, confessáveis: “chegou no furor o tempo de exterminar os exterminadores da terra!”, assim eles exclamam no alto do holocausto. As águas represadas não acionam as turbinas? não dão à luz energia e ao frio calor? o colapso do portal do túnel, os vãos dilatados ...quem vai agora segurar o desmedido?