segunda-feira, fevereiro 27, 2006

OS NUMES TUTELARES

Fragmentos: 

1: - Um Indivíduo Chamado Karl Marx (1818-1883), (*). O indivíduo chamado Karl Marx desdobra a unha da fome no mapa-mundi riscado no caruncho dos séculos franze a testa, coça a cabeça, esfrega os olhos: ar puro no sul se há guerra no norte? O desespero não cheira bem as ciências humanas nasceram na Alemanha? o que mais? uma certa antipatia racial também? ele nada tem a ver com a vida dos outros mas não sabe viver sem a vida dos outros queima as pestanas nas velas e lampiões lê e escreve dias-meses-anos a fio sente que o texto só brilha se o contexto enraíza. O amor pessoal da namorada empalidece na presença do amor social dos desamados não consegue dormir sem antes fazer as pazes com os deserdados da sorte, os excluídos da ceia. A revolução russa tinha mesmo que fracassar? começou mal, foi de mal a pior? sofreu o azar de passar nas mãos peludas de Stálin? brincou de rato e gato quando não era um nem outro? queria ir muito depressa em cima do andor? alguém errou mesmo ou ao contrário todo poder político nunca presta mesmo e todo êxito dele é fugaz? É triste mas é verdade o povo continua propenso e vulnerável ignorante do passado e do futuro medíocre pusilânime reles comedor de feijão bichado: em vez de afugentar,atrái a repressão das chefaturas (é isso mesmo ou estou decepcionado e exagerando?) ...nem toda sociedade vem com o milho ...nem todo individuo vai com o fubá: não há salvação à vista? o que há é a erosão das simpatias e da credibilidade. A aurora rompe, os cavalos fremem, diz Mefistófeles, desesperado. As nuvens abençoam os cumes de granito de nossa Barra funda os planaltos ondulados do tórax e do cérebro espantam os presságios: estamos no interior de Minas Gerais, bem longe dos conflitos sociais, mas as portas fechadas ficam mais fechadas, quando uma delas é arrombada... O oprimido, coitado, quanto mais se abaixa mais oferece a bunda ao poderoso, diz o Grisaldo, a molestar e divertir na república dos funcionários ...”as ideologias de dominação social da classe dirigente são atarraxadas a ouro e pólvora”- agora quem fala é o Aleixo, a comer bolachas no alpendre da república. O misticismo oriental perdura na física e na química, transige da meditação deles para a ação nossa, é o que acaba dizendo Flávio, o topógrafo das obras. O herdeiro mental da velha linhagem dos rabinos está agora a passeiar nos vinhedos de Trier, seu pensamento a fabricar aforismos e metáforas a paixão que brilha na esperança a galgar ladeiras oblíquas por estreitos atalhos a saltar arroios despejados de fendas rochosas: até as pedras arranjam, polimorfas, os sorrisos. Assim ele revisa os utópicos Fourier e Saint-Simon, muita água a passar debaixo da ponte, ao lado de intrincadas rampas, compactas texturas as palpitações do peito freiam os ímpetos e dentro da água a luz foge da treva: o carro capitalista chega ao precipício? a locomotiva comunista já despenhou? os nômades na verdade são fugitivos? se não são,o que estão procurando? Não posso cair na tentação do pensamento abstrato, ele diz às uvas e às sombras da tarde: minha tarefa é fazer história e não meramente interpretá-la! Deus sabe como e não me conta? A filha Eleanor escreveu antes de suicidar-se: “como tem sido triste a nossa vida nestes anos...”. A família só não morria de fome porque Engels era amigo e repartia com ela o salário de seu emprego na indústria inglesa. Quando a mãe morreu,ele voltou à Trier, de lá escreve a já muito doente Jenny, confessa estar indo todo dia à velha casa, onde ela viveu em solteira,bonita e rosada: a casa o atrái mais do que as ruínas romanas, foi nela que morou seu grande amor: a moça mais linda de Trier!, a princesa da cidade, a rainha dos bailes o brilhar nos olhos, o frescor nos lábios o jardim que a circundava: onde ela ia, ele lá estava. O prazer tem arranjos complicados joga pela janelas as árias operísticas (as coivaras verdes não pegam fogo) pelo sim pelo não é assim o coração se estivesse a morrer, estaria a cantar: ela nadava a dormir sobre as ondas? os olhos trocavam de cores? e ele? também dormia sobre as ondas? escolhia então as cenas de contos de outros autores? e agora, Carlos? e agora, longe do passado e da perspectiva do futuro? e agora é até bom que na esteja a ver o que acontece: a sociedade adotou de vez o fascismo de tantos nomes terríveis? As pessoas em geral (é bom que ele não veja) , quando não estão contando vantagens ou misérias estão engolindo umas às outras? até quando? 

(*) Texto transcrito do romance em versos (inédito) BARRA FUNDA – A Evaporação dos Paradigmas.