ESTRATÉGIAS DA REPRESENTAÇÃO EM “AÇO FRIO DE UM PUNHAL (*)
Tese de Mestrado do Professor Maurício José de Faria na PUC BH 2001, sob a orientação da Profa. Dra. Lélia Maria Parreira Duarte. Fragmentos: Página 6: “O presente estudo procura analisar os contos de “Aço Frio de um Punhal”, de Lázaro Barreto, em que o autor, através de jogos de enganos, da elaboração da loucura e da referencialidade histórica, no plano de enunciado, e do estranhamento de estratégias narrativas inusitadas, no plano da enunciação,constrói uma obra literária que questiona as estruturas de poder de um Brasil interiorano em que se reflete o autoritarismo do modelo central. Página 48: “Segundo a tese de Chklovski (1976,p.5), sobre o estranhamento, a arte usa o estranhamento para aumentar a dificuldade e o tempo de percepção das obras visto que, em arte, o processo perceptivo é um fim em si mesmo e deve ser prolongado. Alguns contos de Lázaro Barreto parecem ilustrar essas considerações de Chklovski, tal a estranheza de algumas de suas construções e de seus jogos de enunciação. Pela estranheza, a narrativa se constrói. É preciso ler literalmente e aos poucos encontrar e acatar as regras do jogo, fixando a atenção, em muitos casos, na própria construção do texto.” Página 49: “Em “Soneto Quase Parnasiano”, Lázaro Barreto constrói uma narrativa que muitas vezes conduz o real para um abismo sem retorno, guardando entretanto a solidez de uma ordem estruturada e fechada em si mesma.O autor utiliza o absurdo como se fora real,concreto. Segundo o narrador, cada pequena situação vivenciada deixa-o atordoado, meio sem rumo. Visto que o interesse parece ser exigir do leitor que transite pelo texto, alguns recursos são utilizados para causar o que vimos chamando, com os formalistas russos de “estranhamento”, termo cunhado por Chklovski. Esse efeito assinala a quebra do automatismo encontrado na apreensão e expressão lingüística de todos os dias, e abre campo para a invenção e o exercício total da liberdade de criação (Cf.Santiago,2000, p.131). Página 66: “Tanto “O Caminho da Roça” quanto “Madressilvas na Beira do Rio” lidam com o estranhamento: criam no leitor uma expectativa inicial que, a despeito do que está sendo narrado, não se confirma ao final da narrativa. Esse artifício narrativo aumenta a duração da percepção, aliando-se à valorização do corte e da minúcia, estabelecendo-se assim entre autor e leitor uma comunicação que ultrapassa o plano da narrativa e indica uma nova proposta estética capaz de criticar eficazmente a ideologia que representa.” Página 71: “No conto “Pequeno Simpósio Pediátrico” revelam-se, ao mesmo tempo e de forma organizada, as diversas maneiras de expressão lingüística de vários grupos sociais, registrando-se a linguagem dos indivíduos que constituem esses grupos. Ouve-se, por exemplo, a voz de um cronista, de um poeta, de um economista, de um repórter, de uma mãe, etc. A língua só é única na sua abstração; quando se concretiza, torna-se uma multiplicidade de manifestações do mundo. E, no conto, ela nunca é abstração, ao contrário, é realidade concreta de representação dos signos sociais,e por isso mesmo,também ideológicos (Paraquett, 1999,p.98). Página 141: “Lázaro Barreto, autor de “Aço Frio de Um Punhal”, circunscreve-se no cenário da literatura brasileira num espaço de pouco reconhecimento. O autor pertence cronologicamente à chamada geração da “crise de representação”, que surgiu logo após o golpe militar de 64. È provável que a lucidez de algumas de suas propostas, de um cidadão que viveu entre o trabalho e certa militância política – Lázaro Barreto era jornalista à época do regime militar – justifique a formação de uma consciência crítica que o induz a produzir textos às vezes estranhos, por isso, fora da norma. Esses textos falam, ao mesmo tempo, da exploração e da necessidade de fuga a uma situação, pois estar no mundo, na década de 70, época em que a obra em análise foi feita, significava a procura de uma escrita para lutar contra ou para denunciar o sistema político vigente. O autor produz uma literatura voltada para questões sociais, mergulhando assim nos problemas reais do Brasil de uma triste fase, por isso seus contos falam do homem comum, forçado a atos de fuga da realidade, do heroísmo inútil ou de covardia, diante de circunstâncias inusitadas.”
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