MAIS DOIS POEMAS
1 - As Neves de Antanho (*) Quem me dirá em que país verde e amarelo a balada de François Villon ainda faz perguntas? Em que lugar da terra ela agora se esconde, ela que jogava as tardes em cima de mim? E onde estão as matas e serras de outrora? Os ecos propalantes dos vales e redondezas? O casal de lobos debaixo do pé de jacarandá? E os antigos luares? As neves de antanho? As inventoras de albores e crepúsculos e noturnos? Onde estão as senhorinhas de antigamente? Onde a doce balada fala do amor perdido, depois de desestrelar o céu com tantas naves? Em que ninho de abril a rolinha agora se anula? De onde o amor telefona sem nunca mais estar lá? De onde ele manda as palavras de dentro de uma goiaba? Onde estão as moças da roça, agora tão sumidas? Onde ficaram as chuvas miúdas daquele tempo? As tanajuras, os vagalumes, os lobisomes? A moça que beliscava minha alma visitou-me na reles lembrança nublada de outro dia? Onde estão o cheiro e a cor daquelas tardes? O ar daquelas tardes tão fagueiras? As moças em flor de minha juventude, recuperadas por Marcel Proust e não por mim? E aquelas neves que vinham nos sonhos, onde estão hoje em dia?
(*) François Villon (1431-1463) é autor da “Balada das Neves de Antanho, que aqui cito de memória.
2 - Possuir ou Ser Possuído?
Eu (impúbere e retraído, precocemente senil?)
chegava perto, cada vez mais perto, para vê-la,
ampliada, transcender.
Ela retraia (adiantadamente impúbere?),
temendo talvez que eu visse lá dentro de seus olhos
a sua alma
a sua loucura de ser e não ser
a pessoa que ela própria desconhecia?
Sei não.
Embargado no transe fortuito, eu duvidava
que o que realmente via lá na fundura
do íntimo dela
fosse a minha própria intimidade, desnudada
assim sem mais nem menos,
tão impregnado dela eu estava
ali nela diluido (tornado numa parte dela?).
Isso me afogueava, assustava, afugentava,
depois de tanto encantar-me.
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